Força dos grandes grupos econômicos é o maior entrave para a democratização do acesso ao recurso
Cristiane Sampaio
Três em cada dez cidadãos no mundo não têm acesso à água potável em casa. Esse é o cenário alarmante denunciado pela Organização das Nações Unidas (ONU). São mais de 2 bilhões de pessoas. Além disso, outros 4 bilhões e meio de pessoas, não têm saneamento básico considerado seguro.
O acesso à água ainda é privilégio de algumas parcelas da população. A agricultora Antonia Souza de Jesus, que vive no município de Queimadas, interior da Bahia, conhece bem o problema. Com 64 anos de idade, ela nunca contou com água encanada nem coleta de esgoto na casa onde vive com oito familiares, entre filhos e netos.
Há dois anos, a comunidade ganhou uma cisterna, construída por meio de um projeto social, mas, quando não chove, os moradores não têm de onde captar água e dependem de um carro-pipa que só vai ao local uma vez por mês. Ela conta que a falta d´água compromete a higiene das pessoas, os serviços domésticos e a plantação. “Quando a água falta, a gente fica muito preocupado. É difícil”, lamenta.
O problema se estende a outras regiões do país. No município de Barcarena, no Pará, mais de 80 famílias que dependem das águas da Bacia do Marajó lidam diariamente com uma grande contradição: apesar de viverem nas proximidades de rios, elas não têm água potável nem esgotamento sanitário.
O agricultor Leonardo Furtado, morador do município há mais de 40 anos, critica a ausência de políticas públicas para resolver o problema. A situação se agravou com a chegada de grandes empresas no local. A região é a mesma onde ocorreu o desastre ambiental provocado pela mineradora Hydro Alunorte, no mês passado, após jogar água não tratada no Rio Pará. “É meio constrangedor até falar porque a gente se sente preocupado, acima de tudo a questão da saúde da gente”, ressalta.
Denise Motta Dau, secretária da organização chamada Internacional Serviços Públicos no Brasil, destaca que a força dos grandes grupos econômicos têm sido o maior entrave para a democratização do acesso à água no mundo. A entidade acompanha a realidade em mais de 150 países.
No Brasil, por exemplo, o número de conflitos ocasionados pela disputa por água cresceu 150% entre 2011 e 2016. O dado é da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Se é uma comunidade que vive de agricultura, de pesca ou outras atividades que necessitam de água, a empresa vai comprando fazendas e dentro delas tem rios, e aí ela vai se apropriando dessas águas, daí os vários conflitos”, revela.
Em geral, as mulheres são as mais afetadas pelo problema. Denise Motta Dau ressalta que, na zona rural, elas são as principais responsáveis pela agricultura familiar e pelos serviços domésticos, tendo que buscar água para as famílias. “Isso é desgaste, é tempo e prejuízo pra vida das meninas, que precisavam estar na escola, e não andando quilômetros com suas mães, suas ou avós em busca de água”, diz.
Segundo a ONU, as mulheres compõem 70% das pessoas que vivem em situação de miséria no mundo.