O grupo da Comissão Nacional da Verdade que investiga violações de direitos humanos contra trabalhadores e movimento sindical vai analisar documentos entregues ontem pela CSP Conlutas, central sindical ligada ao PSTU, que atestariam a colaboração de grandes empresas com o regime militar para a repressão de seus funcionários.
Os papéis podem dar base para que a comissão fundamente, no relatório final, a tese de que as empresas sejam responsabilizadas moral e materialmente por ajudar na repressão dos militares, ao demitir funcionários por pressão do governo, repassar informações aos órgãos de inteligência ou formar uma lista de pessoas que não poderiam ser contratadas por militarem em partidos de esquerda.
“Vamos estudar a possibilidade de reparação por parte das empresas que fizeram demissão em massa dos trabalhadores, como já ocorreu em outros países”, disse ontem a coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso. Segundo ela, a comissão ainda não sabe como será possível pedir a reparação tantos anos depois. Uma das possibilidades é tentar tornar a perseguição aos trabalhadores crime de lesa-humanidade, que não prescreveria.
Os documentos são relatórios de órgãos de inteligência do governo com informações de empresas públicas e privadas sobre seus funcionários e, principalmente, acompanhamento de movimentos sindicais em grandes empresas do país.
O único caso em que fica explícita a vigilância da empresa sobre os funcionários são dois documentos da Assessoria de Segurança e Informações (ASI) da ex-estatal Embratel com fichas de dois funcionários que estariam envolvidos na reestruturação da União Metropolitana de Estudantes de Niterói.
Em um dos documentos, a companhia pede informações à Polícia Civil do Rio de Janeiro que “possam contribuir para o acompanhamento ou para a decisões da empresa” sobre os funcionários. Em outro, afirma que tem “forte interesse em conhecer quaisquer dados que permitam constatar se realmente existem vínculos” entre um dos empregados e uma pesquisa de opinião feita por um jornal do Estado. Procurada, a Embratel disse que não se pronunciaria ontem.
Também há acompanhamentos de greves nas fábricas da General Motors, em 1985, e na Embraer, em 1984, em São José dos Campos (SP), feitas pelo Ministério da Aeronáutica. O governo tentava mensurar o impacto desses movimentos e acompanhar de perto a Convergência Socialista, organização trotskista que na época militava no PT e, depois de divergências com a direção do partido na década de 90, participou das fundações de PSTU e PSOL.
No relatório sobre a paralisação na Embraer, o Ministério da Aeronáutica diz que “não pode ser descartada a hipótese de a greve ter sido realizada para testar a ´resposta do regime´, visando uma das empresas ligadas ao governo”, ou “testar a reação das Forças Armadas”, que atuariam para garantir o funcionamento da então estatal, que seria privatizada dez anos depois. No fim do relatório consta uma lista, com fotos e dados de todos os funcionários demitidos durante a paralisação.
Há ainda no dossiê o “registro de empregado” de funcionários da Monark, fabricante de bicicletas, e da Tintas Coral, no Dops. Segundo Luís Carlos Prates, o Mancha, representante da Conlutas na comissão e um dos fichados no Dops, esses documentos eram de uso interno das empresas e foram repassados ao governo. A AkzoNobel, detentora da marca Coral, desde 2008, informou em nota que “não tem conhecimento sobre o caso, mas reitera que respeita e defende os direitos humanos e repudia qualquer ato que viole tais direitos.” As outras empresas não se pronunciaram.