Em meio a um esforço para fazer as contas da Previdência se equilibrarem, o governo federal aceitou reduzir a cobrança de um tributo de produtores rurais que ajuda a financiar as aposentadorias de trabalhadores do campo. Em troca, espera obter o apoio de deputados da bancada ruralista à reforma previdenciária.
O tributo é o Funrural, que cobra 2,3% sobre o faturamento do produtor rural: 2,1% são destinados à Previdência e os outros 0,2%, ao Senar, entidade que integra o “Sistema S”. O governo deve reduzir a alíquota total a 1,5%.
O Funrural é uma versão “do campo” da contribuição previdenciária. A diferença é que o tributo sobre o produtor rural é recolhido sobre o faturamento (quanto recebeu pelas vendas) e não sobre a folha (quanto paga de salários).
A Previdência rural tem um histórico de déficits superiores ao do sistema urbano. Segundo as regras em vigor, não é exigida contribuição dos trabalhadores do campo para ter direito ao benefício — basta alcançar a idade de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres e comprovar que trabalhou nessa atividade por 15 anos. A proposta de reforma da Previdência em discussão no Congresso estipula que o trabalhador rural passará a ter que contribuir para ter direito ao benefício — e por no mínimo 15 anos.
Por que essa contribuição foi questionada
Muitos produtores rurais conseguiram decisões judiciais liminares (temporárias) os livrando de recolher o Funrural. Segundo o coordenador da frente parlamentar da agropecuária, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), há um passivo não pago de R$ 8 bilhões a R$ 10 bilhões relativo a essa contribuição.
A primeira lei que criou o Funrural é de 1992, aprovada quando a Constituição Federal ainda não permitia explicitamente a cobrança desse tipo de tributo sobre o faturamento. Em 1998, uma emenda constitucional foi aprovada para autorizar a cobrança de contribuições sobre o faturamento e, em 2001, o Funrural foi regulamentado da forma como está em vigor até hoje.
Os produtores rurais que recorreram à Justiça argumentam que a lei do Funrural, de 1992, não poderia ter sido validada por uma emenda constitucional de 1998, e, portanto, a contribuição seria indevida, entre outros pontos.
Em 2010, o Supremo chegou a decidir, em plenário, que o frigorífico Mataboi, de Mato Grosso do Sul, não precisava recolher o Funrural estabelecido na lei de 1992. A decisão só valia para aquela empresa específica, mas serviu de estímulo para que outros produtores também deixassem de pagar a contribuição.
Em 30 de março de 2017, o plenário do Supremo, agora julgando o tema em repercussão geral, com impacto em todo o país, decidiu que a cobrança era sim constitucional, e que quem não a pagou deve fazê-lo. A decisão foi apoiada pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura), mas levou pânico a diversas categorias de produtores.
O que a bancada ruralista negociou com o governo
A frente parlamentar da agropecuária no Congresso tem 204 deputados — 40% da Casa, número expressivo para a votação de matérias de interesse do governo, como a reforma da Previdência.
Esses congressistas se mobilizaram para buscar alternativas à cobrança das dívidas do Funrural. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) apresentou um projeto de lei propondo a anistia de dívidas dos últimos cinco anos, mas o governo rechaçou a proposta, dizendo que ela descumpria a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Caiado também afirmou ser necessário, no futuro, dar a opção para o produtor rural escolher entre recolher a contribuição sobre o faturamento ou sobre a folha de pagamento — quando há pouco uso de mão de obra, diz o senador, recolher sobre o faturamento é injusto.
Na segunda-feira (15), o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reuniu-se com deputados da bancada ruralista e anunciou que o governo aceitava reduzir a alíquota do Funrural de 2,3% para 1,5%.
Os produtores em dia com o pagamento ao fundo passam a pagar a nova alíquota a partir de 1º de janeiro de 2018. Os que estão em dívida continuam pagando os 2,3%, até quitar seu débito ou pelo prazo máximo de 15 anos.
Uma medida provisória com detalhes das novas regras deve ser editada pelo presidente Michel Temer. Em troca, segundo o jornal “Valor”, diversos deputados da bancada ruralista prometem aderir à aprovação da reforma da Previdência.
Bancada ruralista
A bancada ruralista, que se configura como uma das mais eficientes do Congresso Nacional, embora tenha diminuído de tamanho na Câmara dos Deputados — com a desistência ou migração de parlamentares para outros locus de poder — ampliou a representação no Senado Federal, em razão da eleição de novos senadores, ganhou força no âmbito do Poder Executivo com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2016.