O consumidor está muito preocupado com a inflação, economizando para pagar dívidas, cortando gastos com lazer fora de casa e reduzindo suas idas ao supermercado. Para continuar comprando aquilo que provou e gostou em épocas de bonança, procura lojas que tenham preços mais camaradas e promoções. Se isso não dá certo, troca de marca.
O “consumidor apertado”, aquele tem um nível de gastos baixo e compra o básico, equivale hoje a 52% da população, segundo levantamento da Nielsen, do qual participaram os especialistas Priscila Biancardi, Sabrina Balhes e Bruno Curtarelli. A empresa, no fim do ano passado, pesquisou o comportamento dos brasileiros em 48 milhões de domicílios urbanos.
Segundo o estudo, 13% dos brasileiros estão economizando para pagar dívidas atrasadas e 64% afirmam que diminuem lazer fora do lar para economizar.
A pesquisa também aponta o que outros levantamentos já mostraram: a classe média pôs o pé no freio na hora de comprar e a classe de maior renda (A e B) é que está puxando o consumo.
Houve uma redução de 4,7% no número de visitas ao ponto-de-venda no ano passado. O valor médio gasto cresceu 5,6% a cada visita. As compras, dizem os especialistas, estão sendo mais planejadas.
Boa parte da indústria e do varejo entendeu esse quadro, mudou a estratégia e conseguiu aumentar o faturamento e o volume vendido no ano passado.
No ano passado as vendas de 137 categorias de produtos – bebidas, alimentos, artigos de higiene pessoal e cosméticos, entre eles – cresceram 3,7% (em volume) e 4,9% (em valor, já deflacionado), segundo a Nielsen. No ano anterior, o desempenho havia sido pior: retração de 0,3% no volume e aumento de 3,5% no faturamento.
Dados já divulgados pelo IBGE mostram um cenário mais preocupante para o comércio varejista restrito (exclui veículos e material de construção): em 2014 o volume de vendas cresceu apenas 2,2% em relação a 2013. Foi o pior resultado em dez anos.
No ano passado, segundo a Nielsen, a categoria de produtos que mais se destacou, com vendas equivalentes a 30% do faturamento total apurado na pesquisa, foi a de cerveja e refrigerantes. Este setor conseguiu elevar preços, fez promoções e ofereceu diversos tipos de embalagens.
De fato, segundo a CervBrasil (entidade que reúne as maiores fabricantes do setor), o volume de cerveja vendido no país no ano passado cresceu 5%. A Coca-Cola, líder do setor de refrigerantes aumentou suas vendas em 2%.
Oferecer a embalagem certa, dizem os especialistas da Nielsen, faz toda a diferença no ponto de venda. Os fabricantes de cerveja e refrigerante entenderam que o consumidor estava passando mais tempo dentro de casa e passaram a oferecer garrafas maiores, mais econômicas.
O segmento de sucos prontos foi pelo mesmo caminho: embalagens pequenas (que exigem um desembolso menor do consumidor) e maiores, para serem consumidas dentro de casa. O consumidor não quis abrir mão da bebida pronta, mas buscou um preço mais adequado ao bolso.
Essa busca acabou levando mais consumidores para o “atacarejo” (loja de atacado que também vende ao consumidor), em detrimento dos supermercados – tendência que já vem sendo construída nos últimos anos. Houve a abertura de 47 lojas de “atacarejo” no Brasil no ano passado, e 1,4 milhão de famílias (lares) passaram a fazer compras neste canal, segundo o levantamento da Nielsen.
Mas não é apenas o “atacarejo” que ganhou força no ano passado. O brasileiro passou a frequentar até quatro lojas diferentes para abastecer a geladeira.
Na tentativa de economizar nas compras para a família, o consumidor primeiro pesquisa em qual loja consegue comprar suas marcas preferidas por um preço que julga justo; busca promoções e descontos dessas marcas. Só depois, se isso não dá certo, é que ele troca a marca e migra para uma mais barata.
Os fabricantes que perceberam esse comportamento – de papel higiênico e creme dental, por exemplo – fizeram várias promoções (do tipo leve 3 e pague 2) no ano passado e conseguiram aumentar as vendas.
Este ano, dizem os especialistas da Nielsen, será tão ou mais desafiador do que foi 2014. O consumidor continuará preocupado com a inflação e mais retraído (ver a reportagem Na mesa da Páscoa, pessimismo e ovo mais barato). Mas tanto a indústria quanto o varejo têm ferramentas para ampliar as vendas. É preciso usá-las com inteligência.