FONTE: Valor Econômico
A histórica distância que separa a participação feminina da masculina no mercado de trabalho tem diminuído no Brasil nos últimos anos.
De 2015 para cá, 3,5 milhões de mulheres foram para a força de trabalho. Poderia ser uma boa notícia, mas essa mudança é conjuntural, uma consequência direta da recessão.
Com o desemprego ainda elevado e o avanço da informalidade, as mulheres estão ampliando sua presença na força de trabalho para complementar a renda familiar, principalmente por meio de atividades por conta própria (venda de alimentos por exemplo) e do trabalho doméstico.
A mineira Sheila Carlos Oliveira, de 46 anos, é um exemplo dessa nova realidade. Dona de casa, a moradora de Belo Horizonte passou a vender pão de queijo e linguiça para ajudar a pagar as contas da família, após o marido perder o emprego de economista em uma empresa de engenharia.
“Eu não terminei minha faculdade, por causa de filho e de casa, e nunca trabalhei fora. Aí me vi numa situação em que precisava ajudar”, diz Sheila. “Meu marido começou a trabalhar como Uber e eu pensei comigo ‘o que eu sei fazer bem demais é cozinhar’, aí comecei a fazer pão de queijo e linguiça, tudo com ingredientes de primeira qualidade e tempero caseiro”, conta ela, orgulhosa.
Há três meses, seu marido voltou a trabalhar na mesma empresa, mas teve de aceitar um salário menor. Assim, Sheila segue vendendo seus produtos, e o filho mais velho do casal, de 22 anos e que faz faculdade com um financiamento do Fies, trabalha como motorista da Uber para ajudar a família. Para manter a filha de 13 anos na escola particular, a mineira ainda faz faxina na casa do pai em troca do dinheiro da mensalidade.
Como Sheila, outras mulheres voltaram ou entraram pela primeira vez no mercado de trabalho sob efeito da crise. Com isso, e uma queda da participação dos homens – mão de obra historicamente mais cara e formalizada -, a distância entre a participação masculina e feminina diminuiu.
A taxa de participação na força de trabalho é o percentual de pessoas em idade de trabalhar (14 anos ou mais, no Brasil) empregadas ou em busca de trabalho, em relação ao total de pessoas nessa faixa etária.
Entre os homens, essa taxa costuma ser superior a 70% – o que significa que sete em cada dez homens em idade de trabalhar estão ocupados ou procurando emprego. Já entre as mulheres, o índice sempre foi mais baixo, em torno de 50%, devido à maior ocupação delas com o trabalho doméstico e o cuidado de crianças e idosos, além das condições desiguais do mercado de trabalho.
Antes da recessão, entre 2012 e meados de 2014, a distância entre a taxa de participação feminina e masculina era, em média, de 22,2 pontos percentuais, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. Com o início da crise, essa diferença começou a diminuir, queda que se acentuou a partir de 2016. Desde o segundo trimestre de 2017, esse “gap” está em cerca de 19,5 pontos percentuais.
“Até o fim de 2017, o emprego melhorou para o trabalho informal e muito pouco para o formal, ou seja, ‘melhorou’ por consequência negativa da crise”, observa Cosmo Donato, economista da LCA Consultores. “Assim, visando complementar a renda familiar, as mulheres podem ter ingressado no mercado de trabalho como conta própria”, afirma.
Tiago Barreira, consultor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), também credita o aumento da participação feminina no mercado de trabalho no ano passado ao avanço da informalidade e do trabalho por conta própria.
“O trabalho doméstico, por exemplo, cresceu mais de 4,3% em dezembro de 2017, na variação interanual”, lembra o economista. “Isso pode ter contribuído para o ganho de participação feminina na população economicamente ativa”, avalia.
O movimento mais recente vai na contramão daquele visto entre 2003 e 2012, quanto o crescimento da taxa de participação feminina na força de trabalho desacelerou em toda a América Latina, como resultado da melhora da renda e do avanço das políticas sociais na região.
A taxa de participação feminina na força de trabalho na América Latina cresceu a um ritmo médio de 0,9 ponto percentual ao ano entre 1992 e 2002, caindo a 0,3 ponto percentual ao ano na década seguinte, aponta estudo dos economistas argentinos Leonardo Gasparini e Mariana Marchionni, da Universidad Nacional de La Plata.
Conforme a pesquisa, divulgada em abril pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (IPC-IG/Pnud), embora a desaceleração tenha sido generalizada, ela foi particularmente mais perceptível entre mulheres casadas e vulneráveis.
“As mulheres casadas e com menor escolaridade são mais propensas a atuar como trabalhadoras secundárias, ou seja, geralmente decidem se trabalham ou não dependendo das condições de trabalho e rendimentos de seus cônjuges”, explicam Gasparini e Mariana, em entrevista ao Valor. Por causa disso, o trabalho dessas mulheres geralmente tem comportamento anticíclico: a participação aumenta em crises e diminui em momentos de crescimento econômico.
De acordo com Aguinaldo Maciente, coordenador de mercado de trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), são vários os fatores que impedem uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho, principalmente das mais pobres. Entre eles, estão a insuficiência de creches e de instituições públicas de cuidado para idosos. A persistência dessa desigualdade impede uma redução maior da pobreza.
“O impacto sobre a pobreza certamente é muito grande; a impossibilidade de a mulher desempenhar uma profissão fora de casa prejudica o acesso de várias famílias a um patamar de renda superior”, diz Maciente.
Para o especialista, a alteração dessa realidade depende não só de políticas públicas, mas também de maior conscientização para uma mudança dos papéis sociais de gênero no cuidado familiar, além da valorização de boas práticas no mercado de trabalho, como premiação e maior visibilidade para empresas que promovam ativamente a igualdade de gênero.
Marilane Teixeira, professora da Unicamp, reforça que a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho não é algo natural ou fruto de uma escolha das mulheres. “Tanto o Estado como os homens se beneficiam dessa condição”, afirma. “O Estado porque não precisa oferecer determinadas políticas públicas, e os homens porque podem se dedicar às suas carreiras.”