Crise dificulta reajustes salariais acima da inflação no segundo semestre

O Globo

O agravamento da crise econômica, com a inflação beirando os dois dígitos e desemprego crescente, mudou o discurso das categorias que têm data-base no segundo semestre deste ano, como metalúrgicos, petroleiros e bancários. A reivindicação de reajustes reais (acima da inflação), prioridade dos últimos dez anos, poderá ser trocada pela manutenção do emprego, no caso de impasse nas negociações. Sindicalistas também já declaram que a ampliação de cláusulas sociais, que regulam benefícios como vale-refeição e tempo da licença-maternidade, pode virar moeda para fechar acordos.

— O movimento sindical terá que ter um cuidado maior com a manutenção do emprego — afirma o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socieconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio.

Para ele, o momento de ajuste econômico fará com que as negociações mudem de estratégia.

— Este ano será igual a 2003, quando as negociações foram afetadas pela economia ruim.

Por conta da alta da inflação e da recessão, Layr Cruz Del Corço, de 47 anos, funcionário do Banco do Brasil, mudou seus hábitos. Ele, que gostava de tomar o café da manhã na padaria, passou a se alimentar em casa.

— Gastava cerca de R$ 10 por dia com o café da manhã. Com a perspectiva de não termos reajuste real, estou economizando nas mínimas coisas — disse.

O presidente da Federação dos Metalúrgicos da CUT (FEM/CUT, que só em São Paulo representa cerca de 100 mil trabalhadores), Luiz Carlos da Silva Dias, diz que o objetivo inicial da campanha (a data-base é em 1º de setembro) é a busca pela reposição da inflação e aumento real, mas reconhece que o momento exige cautela. Segundo ele, o índice que será, ou não, pedido de aumento real só será definido “no clima das negociações”.

— As cláusulas sociais podem fazer a diferença para os trabalhadores de empresas mais fragilizadas, porque não teriam impacto tão grande — afirmou.

TRABALHADOR EVITA PRESTAÇÕES

A FEM/CUT elegeu para este ano como bandeira o slogan “Nenhum direito a menos e mais avanços sociais”, apontando para a prioridade na manutenção e ampliação dos empregos e benefícios dos trabalhadores.

Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), admite que categorias menos organizadas podem ter melhores resultados se trocarem a reivindicação de aumento real por ganhos sociais. Para os 500 mil comerciários de São Paulo, representados pela UGT, ele espera recuperação do varejo nos próximos. Em 2014, a categoria teve 1,5% de ganho real.

Com 440 sindicatos no país e 3,2 milhões de trabalhadores, a Força Sindical se prepara para negociações “bem difíceis”, diz Miguel Torres, presidente da Central. Mas diz que aumentos acima da inflação serão o mote da campanha salarial.

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— Nosso papel é tentar conseguir algo mais, além da inflação e dos benefícios sociais — afirma.

É o que espera José Ailton Matos Santana, operador de máquinas de uma multinacional do setor petroquímico, em São Paulo. Casado e pai de dois filhos, Santana já está evitando gastos supérfluos e novas prestações:

— Estou me preparando para enfrentar essa crise e, talvez até o desemprego. Não tenho muita expectativa que essa situação (da economia) vá melhorar.