Sob impacto da recessão, da crise política e das investigações da operação Lava-Jato, o Brasil foi o país que mais perdeu espaço entre a “elite” das multinacionais latino-americanas na última década, entregando a liderança para o México e em meio ao avanço da Colômbia, Argentina e Peru.
A América Latina como um todo perdeu importância na economia mundial no período e não há perspectiva de reversão desse quadro, avalia o Boston Consulting Group (BCG).
Em 2018, mostra levantamento inédito realizado pelo BCG, 26 das 100 multinacionais mais relevantes da América Latina são brasileiras, contra 34 em 2009, numa queda de 24% – a maior perda de participação entre os países analisados. Com isso, o país foi ultrapassado pelo México, que se manteve estável com 28 companhias na listagem.
A Colômbia foi o país que mais ganhou espaço na década, avançando de apenas cinco para 11 “multilatinas”. Representando apenas 5% do Produto Interno Bruto (PIB) latino-americano, mas sede de 18% das multinacionais listadas, o Chile continuou a se destacar na internacionalização de seu setor corporativo.
O estudo será divulgado hoje no Fórum Econômico Mundial para a América Latina em São Paulo. O documento foi antecipado com exclusividade ao Valor. Reedição de pesquisa realizada pela primeira vez em 2009, o levantamento partiu da análise de cerca de 5 mil empresas com mais de US$ 1 bilhão em receitas, crescimento mais rápido do que a média regional e operações para além de suas fronteiras nacionais.
“O Brasil perdeu espaço por um conjunto de fatores. Essa talvez tenha sido uma das décadas mais difíceis para o país em termos macroeconômicos e de instabilidade política e das instituições. Isso acabou afetando bastante as empresas brasileiras, que sofreram em termos de crescimento neste período e também em termos de prospectos futuros”, diz Daniel Azevedo, sócio do BCG e um dos autores do estudo.
Das 34 companhias brasileiras que constavam da lista “BCG Multilatinas” em 2009, 20 deixaram a relação em 2018. Entre elas, estão muitas das envolvidas desde 2014 nas investigações da operação Lava-Jato.
Segundo Azevedo, como um dos critérios analisados pelo BCG para definição da lista de multilatinas é a avaliação de risco pelas agências internacionais de rating, muitas dessas empresas acabaram sendo eliminadas. “As agências de rating buscam identificar possíveis elementos de disrupção futura do negócio, que podem colocar em risco o fluxo de caixa futuro dessas empresas. Então o risco proveniente de investigações continuadas já está contemplado no rating”, afirma.
No levantamento de 2018, foram incluídas pela primeira vez entre as multilatinas empresas de serviços financeiros e de tecnologia. A mudança buscou incorporar a internacionalização das instituições financeiras na última década, além das companhias que melhor representam o pulso da “nova economia”, ainda que mais jovens e com faturamento menor. Entre as brasileiras, entraram por esse critério os bancos BTG Pactual e Itaú Unibanco, a operadora de máquinas de cartão de crédito Cielo e as tecnológicas Netshoes e Stefanini.
Outra mudança relevante reflete a transformação das economias latino-americanas, com maior participação de companhias de serviços e bens de consumo e menos produtoras de commodities e bens industriais. As de serviços passaram de 26 em 2009 para 41 esse ano, enquanto as de consumo cresceram 39%, para 44. As empresas de commodities encolheram 41%, para apenas sete entre as cem multilatinas.
Para Azevedo, dois movimentos explicam essa dinâmica. Por um lado, mesmo que as recentes recessões tenham levado milhares de volta à pobreza na América Latina, 35% da população regional ainda é de classe média, num aumento significativo em relação aos 28% de 2009. “A distribuição de renda, historicamente muito desigual na América Latina, tem melhorado lenta, mas continuamente”, destaca o BCG.
Por outro prisma, houve a queda nos preços internacionais do petróleo e outros minerais. “Em 2009, vivíamos um ‘superciclo’ de commodities, com sobrevalorização das empresas de base industrial. Nesse meio tempo, a queda do valor global de commodities e o crescimento paulatino dos mercados internos de consumo fizeram a relação entre empresas de consumo e de bens industriais mudar”, diz Azevedo.
Entre as multinacionais brasileiras, apenas 14 das que constavam da lista do BCG em 2009 se mantiveram no levantamento deste ano. Dentre elas, estão Vale, Gerdau, Embraer, Globo e Natura. Segundo o estudo, são cinco os fatores que levam as “multilatinas” a superarem a performance de seus pares regionais: uma identificação mais profunda com seus consumidores, além da capacidade de gerenciar cadeias de valores complexas, manter redes de inovação, obter sucesso em operações de fusão e aquisição e suprir lacunas de formação de seus funcionários.
Apesar do sucesso dessas companhias, a América Latina tem perdido espaço na economia mundial, de uma fatia de 8,6% do PIB global em 2009, para 7,7% atualmente. “Não enxergamos hoje elementos para acreditar que a região vai mudar de percurso com relação a seu papel no mundo”, lamenta Azevedo.
Para o executivo, as origens do declínio estão lá na época do primeiro estudo. “Naquele momento [2009], existia uma elevação muito acelerada do padrão de vida e uma expectativa de que os desafios estruturais históricos da região seriam endereçados, num contexto em que havia um ‘colchão’ para fazer essas reformas. Infelizmente, essa agenda não foi para frente, não vimos uma mudança material na competitividade desses países”, afirma, citando a redução de complexidades tributárias entre as oportunidades perdidas.
Para o BCG, ainda assim, o sucesso das multilatinas em meio ao cenário adverso é evidência do potencial latente. “São empresas que geram valor acima dos seus pares, geram empregos acima de seus pares, investem de forma relevante, são expoentes de um setor privado dinâmico e que causa impacto positivo na sua região”, diz Azevedo. “É um sinal de esperança de que há formas de levar essa região para frente, olhando pela ótica do mercado privado.”