Total de salários nas 6 maiores metrópoles do país deve recuar 2 anos seguidos
A saída encontrada pelo especialista em rede de dados Valdnei Dias Batista para chegar ao fim do mês sem entrar no vermelho foi controlar com mão de ferro seus gastos. As idas ao cinema e teatro foram reduzidas, o carro foi deixado em casa e ele passou a ir trabalhar de moto. No supermercado, está atento às promoções, além de optar por marcas mais baratas. Tudo isso para lidar com o aumento dos preços e com a perspectiva de que o reajuste de salário não será suficiente para compensar essa inflação.
— Ainda consigo me virar porque não perdi o emprego, mas tive que diminuir o meu padrão de gastos. Estou fazendo isso há quatro meses, sendo mais seletivo — disse, acrescentando que a prioridade é manter as duas filhas, que moram com a ex-mulher, em escola particular.
O comportamento de Batista é reflexo do cenário atual. Com desemprego, inflação e menores reajustes salariais, a massa real de rendimentos, ou seja, a soma dos ganhos de todos os trabalhadores, deve atingir este ano o seu menor nível desde 2011. Cálculos do Santander mostram que esse total de salários terá dois anos seguidos de queda e atingirá no ano que vem R$ 600 bilhões, levando em conta os ganhos nas seis principais regiões metropolitanas brasileiras, acompanhadas pelo IBGE na Pesquisa Mensal de Emprego.
DESEMPREGO MAIOR
Segundo Rodolfo Margato, economista do Santander, o resultado nas maiores metrópoles do país reflete o ganho dos trabalhadores em todo o país. A redução de R$ 42 bilhões na massa salarial metropolitana — sendo de R$ 26 bilhões em 2015 e de R$ 16 bilhões no próximo ano — terá efeitos diretos no consumo das famílias.
A perda no rendimento das famílias é consequência direta do aumento do desemprego, que tende a se intensificar no próximo ano, ficando em torno de 10% — em setembro estava em 7,6% nas metrópoles. Com o mercado de trabalho mais fraco, quem está empregado tende a receber reajustes anuais abaixo da inflação, que está em 9,9% no acumulado de 12 meses encerrados em outubro. E, com mais trabalhadores desempregados, a soma dos rendimentos de quem está ocupado fica menor.
— Tudo isso faz com que haja um impacto no consumo das famílias e isso já aparece em alguns setores do varejo. Outro impacto será a inadimplência, que deve começar a subir no ano que vem por conta do desemprego e do orçamento mais apertado das famílias — diz Margato.
Se no início o trabalhador mais atingido por esse cenário era o da construção civil e da indústria de transformação, setores em que o corte de vagas é maior, agora os profissionais de outras áreas também começam a conviver com o fantasma do desemprego. No comércio e no varejo, esse processo já teve início. E mesmo quem mantém o emprego está vendo o seu salário ser corroído pela inflação ou pela perda de renda de alguém do mesmo núcleo familiar.
— O enfraquecimento da economia reduz o poder de barganha dos trabalhadores. Há uma substituição de mão de obra mais cara pela mais barata. Os dissídios salariais também tendem a ficar abaixo da inflação. Esperamos recuperação da massa de rendimentos só em 2017, quando deve crescer 2,3% — prevê o economista.
CONSUMO MENOR
Essa alta, no entanto, não seria suficiente para compensar os recuos esperados para 2015 (-4%) e 2016 (-2,6%).
Com menos recursos no bolso, o trabalhador acaba comprando menos. A primeira categoria de produtos atingida foi a de bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, que dependem muito de compras com financiamento. A segunda etapa foi reduzir gastos com calçados e vestuário. Por último, o carrinho de supermercado começou a mudar, passando a ter menos itens e marcas mais baratas.
O economista-chefe do Haitong Banco de Investimento, Jankiel Santos, lembra que não há uma expectativa de recuperação no padrão de compra das famílias.
— No ano passado, não havia retração de consumo em itens não atrelados ao crédito, como combustíveis e alimentos. Este ano começa a acontecer. É um processo que não tem uma reversão tão rápida — avaliou.
A Pesquisa Mensal de Comércio, do IBGE, mostra que as vendas de veículos, motos e peças estão em forte queda desde março de 2014. Já o comércio de móveis vem encolhendo mensalmente desde julho do ano passado. No ramo de roupas e calçados, as perdas começaram em dezembro de 2014 e, nos supermercados e hipermercados, em janeiro deste ano. Já as farmácias registraram no último mês de setembro a primeira queda nas vendas de toda a série histórica, inciada em 2004.
— O consumo varia de acordo com a renda e o crédito disponível. Nenhum dos dois está crescendo. Com certeza, o carrinho do consumidor vai encolher — afirmou Ana Paula Tozzi, presidente da GS&AGR Consultores.
MUDANÇA DE HÁBITOS
Já pensando nessa piora, a microempreendedora Maria de Lourdes Teixeira Aires das Neves, moradora da Parada de Lucas, no Rio, precisou mudar os seus hábitos. Além de cortar alguns itens das compras de supermercado e optar por marcas mais baratas, ela também levou a economia para a sua lanchonete. Com queda no movimento, decidiu abrir apenas de quinta a domingo. Com isso, cortou pela metade o gasto com energia.
— O movimento está fraco porque as pessoas estão perdendo o emprego e não vão gastar com o que não é essencial. Estou economizando tanto em casa como na loja — conta.
Marcelo Anache, coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade Mackenzie no Rio, acredita que uma mudança no cenário virá apenas em 2017. Além da recuperação da economia, é preciso elevar a confiança do consumidor, que está no pior patamar da história, destaca Anache.
— Quando há muita incerteza e falta de confiança, o consumidor não vai querer consumir. Não vai contrair uma dívida de longo prazo. Porém, se a perda de confiança acontece de forma rápida, a sua retomada é lenta. Só devemos ver alguma melhora em 2017 — avalia.