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Demografia e mercado de trabalho

Por Naercio Menezes Filho

Como vimos no último artigo, a oferta de trabalhadores no Brasil tem crescido a taxas relativamente baixas nos últimos anos e isso tem sido um limitador importante para o desempenho da economia. Como o número de pessoas adultas tem crescido à taxa de 1,3% ao ano, qualquer crescimento da demanda por trabalho acima desse valor (desde que a taxa de participação não se altere) vai gerar forte aumento de salários para equilibrar oferta e demanda. Mas, existe outra característica demográfica importante da nossa população que pode ajudar a explicar os enigmas recentes do mercado de trabalho brasileiro. Trata-se do crescimento da população jovem, de 15 a 24 anos de idade. Como isso ocorre?

A figura mostra a taxa de crescimento quinquenal entre 1980 e 2035 (real e projetada pelo IBGE) de dois grupos etários: 0/14 a 15/24. A história começa com a trajetória populacional do primeiro grupo, ou seja, das crianças e adolescentes. A figura mostra que esse grupo cresceu a uma taxa quinquenal de 8% entre 1980 e 1985. Porém, entre 1990 e 1995, seu crescimento foi de apenas 1%, tornando-se negativo entre 1995 e 2000. Pesquisas mostram que essa redução na taxa de crescimento das crianças em idade escolar foi um dos principais fatores explicativos para a universalização do acesso à escola que ocorreu nos anos 1990. Com menos crianças no país ficou mais fácil colocar todas nas escolas existentes. Como reflexo desse fato, a porcentagem de jovens com menos de 5 anos de estudo passou de 47% em 1981 para somente 10% em 2011.

Da mesma forma, a porcentagem de jovens com menos de 9 anos de estudo passou de 80% para 42% no mesmo período. Isso tem tido implicações importantes para o mercado de trabalho, como veremos a seguir.

Por razões demográficas, o declínio da taxa de crescimento das crianças demorou um pouco para chegar aos jovens (15 a 24 anos de idade). Entre eles, a taxa atingiu seu pico (11%) entre 1995 e 2000. Entretanto, como mostra a figura, essa taxa decresceu rapidamente nos últimos anos, chegando a atingir valores negativos (-4%) entre 2005 e 2010 e novamente entre 2010 e 2015. Por que essa redução no número de jovens é tão importante para o mercado de trabalho?

Em primeiro lugar porque, como já vimos, isso fez com que o ritmo de crescimento quinquenal da população em idade de trabalho se reduzisse, passando de 12% nos anos 1990 para 7% atualmente, o que restringe o PIB potencial e aquece o mercado de trabalho. Mas, além disso, os jovens têm características específicas que ajudam a explicar alguns enigmas recentes do mercado de trabalho.

Em primeiro lugar, o desemprego é maior entre os jovens. A taxa de desemprego nessa faixa etária era de 16% em 2011, contra 5% entre os adultos. Isso não ocorre porque os jovens têm mais dificuldades para encontrar o primeiro emprego, mas porque eles não permanecem muito tempo nos empregos. Estão em experimentação. Assim, a diminuição da parcela de jovens na população adulta, de 30% em 2000 para 24% em 2015, está afetando a taxa de desemprego agregada. Além disso, a informalidade entre os empregados jovens chega a 40%, contra 30% entre os adultos. Assim, a redução da parcela de jovens no mercado de trabalho está reduzindo o desemprego e a informalidade, de forma quase mecânica.

A taxa de desemprego é maior entre jovens porque eles não permanecem muito tempo nos empregos

Mas, o efeito mais importante das mudanças demográficas é a redução da desigualdade que vem ocorrendo no mercado de trabalho. Como a nova geração de jovens tem mais escolaridade, em parte devido ao seu próprio tamanho, a parcela de jovens com baixa escolaridade, que exercia ocupações tipicamente não qualificadas, como pedreiro, segurança, empregada doméstica, motorista e vendedor no comércio, está ficando cada vez menor. Ao mesmo tempo, o surgimento da “nova classe média”, com renda cada vez maior, faz com que a demanda por esses serviços seja cada vez mais forte, uma vez que as necessidades “básicas” são atingidas (TV, geladeira, etc..). Daí o forte aumento de salário que o grupo de trabalhadores menos qualificados tem recebido, turbinado ainda por aumentos reais sucessivos do salário mínimo. Forma-se então um círculo virtuoso.

Em suma, as rápidas mudanças demográficas que estão ocorrendo no Brasil nos últimos anos têm afetado o mercado de trabalho e a economia de várias formas. Elas ajudam a explicar as limitações na oferta de trabalho e as reduções nas taxas de desemprego, informalidade e desigualdade. Entretanto, entre 2015 e 2020 a taxa de crescimento quinquenal da população jovem aumentará novamente para 4%. Se não houver ganhos de produtividade, parte desses movimentos pode ser revertido.

Naercio Menezes Filho, professor titular – Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP