Em outubro deste ano, a fábrica de autopeças Engrecon decidiu acabar com o sistema de redução de jornada e salário acordado com os funcionários. A melhora na economia permitiu antecipar o cronograma. O caso ilustra uma estatística que, ao lado da queda da taxa de desemprego, mostra que a recuperação do mercado de trabalho veio antes do esperado.
Segundo levantamento de Hélio Zylberstajn, professor da FEA-USP e coordenador do Salariômetro da Fipe, até outubro, 114 acordos de redução de jornada e salários foram fechados neste ano, ante 360 em igual período de 2016.
Apenas em outubro, cinco deles foram homologados, ante 30 no mesmo mês de 2016. Entre aqueles fechados em 2017, a maioria não está mais vigente. O número inclui tanto acordos realizados dentro do Programa de Proteção de Emprego (PPE), lançado em 2015 e depois rebatizado de Programa Seguro-Emprego (PSE), quanto aqueles feitos fora desse instrumento.
Para Zylberstajn, a queda no número de acordos tem relação com a melhora da economia e da condição das empresas, mas também porque não são muitas as companhias dispostas ou que podem fechar tratos desse tipo, em especial dentro do PSE. Para entrar no programa, as pessoas jurídicas não podem ter pendências tributárias com o governo, entre outras regras. “Muito provavelmente, a situação que levou aos acordos foi contornada. Mas a medida também tem pouco alcance”, observa.
Em 2016 e 2017, a maioria dos acordos foi fechada fora do PSE: 238 dos 360 no ano passado e 91 dos 114 deste ano. “O programa exige garantia de emprego durante a vigência da medida e até por um tempo adicional. Muitas empresas preferiram fazer sem o PSE, porque não tinham certeza de que, passado o período estipulado, voltariam a produzir”, afirma o professor. No programa, o governo paga parte do salário do empregado afastado. A empresa paga a outra parte e se compromete a manter o funcionário.
Segundo dados levantados pelo professor, a indústria metalúrgica foi a grande beneficiária dos acordos com ou sem PSE. Dos 360 fechados em 2016, 223 pertencem ao segmento. Neste ano, 50 deles foram utilizados por essa indústria, quase metade do total. Em 2016, o segundo lugar ficou com a indústria química, farmacêutica e de plásticos (35), seguida pela construção civil (29). Neste ano, comércio varejista veio em segundo lugar com 15 acordos, seguido pela construção civil (10).
Zylberstajn afirma que esse tipo de estratégia é mais usada por empresas com grande investimento em capital humano e que querem preservar pessoal altamente qualificado. É o caso da Engrecon, que fabrica engrenagens para motores de veículos pesados de montadoras como MAN e Iveco. A empresa usou o PSE por duas vezes e considera que o programa ajudou a estancar as demissões. O segundo PSE, de agosto de 2016 a janeiro de 2017 foi encerrado antes do prazo por causa da recuperação na demanda, afirma Marcia Nadalini Gonçalves, diretora administrativa e financeira, que fica em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo.
Passado o período do PSE, em que houve redução de 20% nos salários e na jornada, a Engrecon contratou mais funcionários. Os atuais 150 empregados, contudo, ainda estão longe dos quase 200 que a empresa possuía antes da crise entre 2015 e 2016, período em que o faturamento caiu 40%. Em 2017, a expectativa é de recuperar a receita apurada em 2014.
A principal vantagem do PSE, diz Marcia, foi não perder funcionários treinados pela companhia. A manutenção desses empregados significou menos custo na retomada da produção. “Nossos funcionários têm, no mínimo segundo grau completo, e são treinados por nós. Eles têm conhecimento de programação, mecânica, computação. Temos toda a parte de engenharia e controle de qualidade. Se perdêssemos esse pessoal seria complicado recuperar”, conta ela, há 22 anos na empresa, que existe há 51.
Ainda não há contas fechadas sobre quantos empregos foram preservados pelos acordos de redução de jornada e de salários s, mas Zylberstajn acredita que esse número chegue a, no máximo, 100 mil. “Se pensarmos no universo de trabalhadores formais, é pouco”, diz. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), 1,321 milhão de trabalhadores formais perderam o emprego em 2016. A despeito das limitações, o coordenador do Salariômetro diz que a ideia é boa. O problema está na execução. “Há uma burocracia muito grande. E nem toda empresa tem tradição de negociar com os sindicatos.”
Clovis Scherer, economista do Dieese, diz que na medida em que a economia se estabilize é normal que as empresas saiam do programa, que tem data para terminar (fim de 2018). Para ele, é difícil dizer neste momento se o PSE foi bom ou não. “Se essa aposta foi vitoriosa, se aqueles empregos que foram protegidos vão sobreviver só saberemos com a recuperação da economia”, afirma.
Para Scherer, embora com alcance pequeno, o programa foi uma solução negociada que protegeu a indústria metalúrgica, principal beneficiária do programa, e também trabalhadores qualificados, a um custo baixo. “Apesar de ter havido desembolsos, o governo seguiu recolhendo contribuições previdenciárias e outros benefícios. O resultado para as contas públicas foi bom”, considera.
Assim como Zylberstajn, Scherer aponta a rigidez burocrática do programa e o fato de muitos setores não terem a tradição de colocar empresas na mesa para negociar. “Aqueles que já tem tradição de negociar conseguiram fechar acordos mais facilmente.” Scherer defende a manutenção do programa mesmo com a recuperação da economia e também que sejam estudadas estratégias de preservação de empregos para setores com mão de obra pouco qualificada.