O Banco Central fez uma aposta na força da recessão para levar a inflação ao centro da meta em 2017, mas analistas econômicos do mercado estão desconfiados que a desaceleração econômica tenha perdido seus poderes para conter reajustes de preços.
Um exercício matemático e estatístico bem simples feito pela Parcitas Investimentos, uma gestora de recursos de São Paulo, confirma esse ponto de vista de uma forma um pouco mais formal. A gestora calculou como evoluiu ao longo do tempo o número que mede exatamente isso: a força com que desacelerações econômicas baixam a inflação.
Tecnicamente, trata-se do coeficiente da chamada curva de Phillips para o hiato do produto. Ele caiu de 0,2 no período entre 2002 e 2010 para apenas 0,05 no período 2011 e 2015. Quanto menor esse número, menor o poder da recessão para conter os reajuste de preços na economia.
Grosso modo, o número significa que, entre 2002 a 2010, se o crescimento da economia ficasse 1% abaixo da capacidade de crescimento do país (o chamado PIB potencial), a inflação cairia 0,2 ponto percentual. De 2011 a 2015, essa mesma desaceleração da economia teria um efeito bem menor, de apenas 0,05 ponto.
“Isso é uma notícia ruim para o BC”, afirma o economista Marcelo Ferman, sócio da Parcitas. “Quando o BC sobe os juros, gera uma desaceleração da economia, mas ela já não provoca uma queda da inflação tão forte.”
Outro importante canal de transmissão dos apertos monetários para a inflação são as expectativas – e a evolução recente também é desfavorável. Entre 2002 e 2010, a expectativas tinham um coeficiente de 0,36 e, no período mais recente, já havia caído a 0,23.
Quanto menor o coeficiente, menos as expectativas explicam a inflação efetiva.
“Quando o BC sobe os juros, um dos objetivos é coordenar as expectativas, mas elas já não são tão importantes para baixar a inflação”, diz Ferman.
Os índices de preços são cada vez mais determinados pela chamada inércia inflacionária. Seu coeficiente aumentou de 0,52 para 0,72 de um período ao outro. Quanto maior esse coeficiente, maior é o peso da inflação passada na inflação futura.
A Curva de Phillips é uma equação matemática que mostra quais são os componentes que tiveram mais peso em explicar altas ou baixas da inflação, incluindo o grau de ociosidade da economia. A ideia básica é, investigando o passado, tentar prever como a inflação ficará no futuro.
A questão central é que, de acordo com o período do passado examinado, pode-se chegar a projeções diferentes para a inflação futura. Quem usa uma base de dados mais ampla, que vai de 2002 a 2015, por exemplo, chega a uma projeção de inflação menor, porque os dados mais antigos mostram um papel ampliado do hiato do produto e das expectativas para baixá-la.
A Parcitas, a título de exemplo, projeta a inflação de 2016 em 7,5%, quando usa como matéria prima dados recentes e antigos, de 2002 a 2015. Quando usa dados de 2010 a 2015, o IPCA projetado 2016 seria maior: 8,5%.
O que aconteceu entre os dois períodos é o que os economistas chamam de quebra estrutural, que no caso pode ser entendido como uma mudança na força com que cada um desses componentes influencia a inflação.
O estudo não investiga as causas dessa quebra estrutural, mas Ferman acha que o enfraquecimento do tripé macroeconômico é uma boa hipótese. A inflação sempre acima do centro da meta nos últimos anos pode ter reduzido o coeficiente das expectativas. A percepção geral de desancoramento fiscal pode ter atingido em cheio o coeficiente do hiato do produto.
Isso significa que a recessão atual não vai baixar a inflação? Ferman diz que uma novidade, nessa recessão, é o aumento forte do desemprego. “Será preciso ver como o desemprego vai afetar a inflação”, diz Ferman.