Efeitos sobre mercado são incertos

As mudanças que a terceirização e o trabalho temporário regulamentados pelo Projeto de Lei (PL) 4.302 promoverão sobre o emprego ­ e, por consequência, sobre a arrecadação ­, na avaliação de especialistas, ainda não estão claras. A flexibilização que ambos os regimes proporcionam, de um lado, podem estimular as contratações legais, elevando a formalização da economia. Exigências que constam no texto, entretanto, e a insegurança que sua tramitação ­ em paralelo a uma proposta que tratava do mesmo assunto no Senado ­ gerou em muitas empresas, podem limitar o impacto ou mesmo torná-­lo adverso, elevando a rotatividade, por exemplo.

O professor do departamento de economia da PUC­RJ Gabriel Ulyssea avalia que a medida pode fomentar as admissões com carteira assinada no curto prazo, mas, especialmente no caso do trabalho temporário ­ e na ausência de uma reforma trabalhista ­, provocar aumento na taxa de rotatividade, que já é elevada no Brasil.

O texto votado ontem na Câmara prevê que os contratos de trabalho temporário tenham no máximo seis meses, prorrogáveis por mais três, com um período de “quarentena” ­ o intervalo exigido para que a mesma empresa volte a convocar o trabalhador que prestou serviço para ela sob esse regime ­ de três meses.

arte23pol-211-subterceiriza-a6

Para ele, o governo deveria ter concentrado seus esforços na reforma trabalhista, que tramita em comissão especial na Câmara e tem, em sua avaliação, benefício mais amplo para o setor produtivo ­ a possibilidade de adaptar a jornada de trabalho conforme a necessidade e de contratar funcionários em período parcial. “Se ela fosse aprovada, a terceirização não faria tanto sentido assim para boa parte das empresas”, ele diz, já que muitas dessas companhias teriam instrumentos melhores de flexibilização à disposição. A terceirização ficaria mais restrita a setores como o da construção, que precisa de serviços especializados em etapas específicas de cada projeto.

Da forma como está escrito, com particularidades como a exigência de capital social mínimo de R$ 100 mil para que uma empresa seja prestadora de serviço temporário, o PL 4.302 pode criar ainda mais distorções no mercado de trabalho, beneficiando grupos específicos. “É mais um puxadinho brasileiro”.

A aprovação do PL, diz Otávio Pinto e Silva, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do setor trabalhista do Siqueira Castro Advogados, não deve gerar uma “corrida à terceirização”. Muitas empresas, ele pondera, sentem­se inseguras diante da forma como a terceirização tramitou no Congresso. O PL 4.302, de 1998, foi resgatado pela Câmara no fim de 2016, depois de ampla discussão acerca do PL 4.330, que trata do mesmo assunto e hoje está no Senado. “Quem garante que em seis meses, ou mais para frente, o projeto do Senado não passe e a responsabilidade da contratante, que hoje é subsidiária, passe a solidária?”, questiona.

Pesquisador do Ibre­FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), José Roberto Afonso pontua que as novas formas de contratação são inerentes às mudanças nos modos de produção e que a regulamentação, em última instância, tende a ter impacto positivo na formalização. “São fenômenos inevitáveis. A regulamentação dará mais segurança e proteção mínima aos serviços”.

Ele acrescenta que a chamada “pejotização”, a contratação de funcionários como pessoa jurídica ­ que recolhem menos impostos do que seus pares empregados sob regime CLT ­, não seria disseminada pela nova legislação, como argumentam os que se opõem à medida. Ela já ganhou fôlego com a ampliação do Simples, a taxação sobre lucro presumido e a criação do microempreendedor individual (MEI). “E creio que já conte em nossa economia mais do que a terceirização”, ressalta.