Sindicalistas acompanham votação do mínimo |
A postura inflexível do governo nas negociações sobre o salário mínimo deixou sequelas na relação entre as centrais sindicais e a presidente Dilma Rousseff. Poucas lideranças explicitam mais esse descontentamento do que o presidente da Força Sindical e deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP).
Em entrevista ao Vermelho, Paulinho lembra que, na disputa entre a então candidata e o tucano José Serra, o movimento sindical a apoiou em peso, mas depois foi ignorado. “Todos os presidentes das centrais e a grande maioria dos sindicatos foram para as ruas — quem apoiou o Serra era minoria. Só eu tomei quatro multas. Todos os presidentes das centrais foram multados”, afirma. “Depois da eleição, não recebemos nem sequer um telefonema da Dilma. Minha mãe diria que isso é ingratidão.”
Uma vez no Planalto, Dilma adotou, segundo Paulinho, a pauta da equipe econômica — o que se refletiu no tímido aumento do salário mínimo de R$ 510 para R$ 545. “A impressão que a gente tem hoje é que esse pessoal ganhou a Dilma provisoriamente. A luta das centrais agora é para ganhar a cabeça da Dilma — não é ir para o pau, romper com ela. Precisamos ganhar a Dilma para a nossa política, a que deu certo no governo Lula. Até para ajudar a Dilma, temos de bater duro nesse negócio, não aceitar esses rumos.”
As centrais inicialmente defendiam um salário mínimo de R$ 580, mas recuaram sua proposta para R$ 560. O governo Dilma não apenas retardou as negociações com os trabalhadores como também fez pressão no Congresso para aprovar R$ 545. “Somos os maiores aliados da Dilma. Vamos provar isso no dia em que ela precisar, e ela vai precisar”, afirma Paulinho. “Aí ela vai ver quem está realmente do lado dela — se são aqueles que votaram com o governo por pressão ou se são aqueles que irão às ruas para defender seu governo.”
Vermelho: O que, exatamente, as centrais negociaram com o Lula e a Dilma na campanha eleitoral?
Paulinho: Quando estávamos no segundo turno da eleição, o Serra começou com a campanha pelo salário mínimo de R$ 600, mais os 10% de reajuste para os aposentados. Toda a propaganda do Serra na televisão, até os anúncios de 15 segundos, era sobre isso. Até então, a gente vinha fazendo um discurso muito bravo contra o Serra, dizendo no 1º de Maio que ele não gostava de trabalhador e ia tirar direitos. Só que aquela proposta dele começou a mudar a eleição aqui. Como explicar para as bases que o candidato que nós vínhamos esculhambando tinha uma proposta dessas?
Em 13 de outubro, no comício de São Miguel Paulista (zona leste de São Paulo), as centrais conseguiram falar com o Lula e a Dilma, juntos, ao lado do palanque. O Lula, num primeiro momento foi muito duro — nunca vou me esquecer das palavras dele: “Isso é demagogia eleitoral do Serra, e nós não podemos entrar. Vou me comprometer com vocês: assim que acabar a eleição, vamos chamar as centrais, manter a política (de valorização do salário mínimo) e dar um aumento real”.
Explicamos para o Lula que, por causa do PIB negativo de 2009, não haveria aumento real, e esse era o problema nosso. E o Lula disse, do lado da Dilma: “Vocês podem me cobrar isso aqui (no comício) que eu me comprometo”. Se você pegar o discurso das seis centrais, todas falaram da demagogia do Serra — que ele propunha apenas um aumento, mas não continuaria a política de valorização do mínimo. E dissemos ali que o Lula tinha essa garantia conosco de dar o aumento real de salário.
Vermelho: A Dilma concordou com tudo isso?
Paulinho: Para ser justo, a Dilma não chegou a falar, mas ouviu tudo, do lado do Lula. Se ela estava contra, no mínimo tinha de dizer que não concordava. A Dilma pode não ter falado nada porque precisava dos votos ou por conveniência. Faz parte do momento, da eleição. Mas ela concordou, senão ela falaria, pela liberdade que ela tem conosco e com o Lula.
Acabou a eleição, o Lula ficou se despedindo do povo, e a Dilma nunca mais falou conosco. Acho que ela tem uma dívida com as centrais. Todos os presidentes das centrais e a grande maioria dos sindicatos foram para as ruas — quem apoiou o Serra era minoria. Só eu tomei quatro multas. Todos os presidentes das centrais foram multados.
Vermelho: Já no primeiro turno, as centrais reclamaram da ausência da Dilma em eventos com sindicalistas. Vocês passaram por cima disso?
Paulinho: Numa campanha difícil, a gente até entende isso. Já fui candidato a vice-presidente, sei como são essas coisas. Fazia três estados e dez cidades por dia — imagine o candidato a presidente. É pior para quem vai ganhar, que tem de ter uma preocupação imensa de não deixar a imprensa te desconstruir. A Dilma não recebeu a pauta dos trabalhadores? Tudo bem, a gente entende, ela está com uma agenda corrida.
Depois disso, ela estava com os empresários e falou contra a redução da jornada para 40 horas semanais, defendeu a negociação direta, fez o jogo patronal. Houve dirigentes de centrais que não queriam aceitar e disseram para a gente brigar. Eu segurei: “É campanha eleitoral. A Dilma só está fazendo uma média com o empresariado”. Quando acabou a campanha, a gente viu que não era bem assim, não.
Vermelho: A Dilma se esqueceu das centrais?
Paulinho: O que nos desagradou é que, depois da eleição, não recebemos nem sequer um telefonema da Dilma. Minha mãe diria que isso é ingratidão. O mínimo que você faz quando alguém te ajuda é agradecer, e eu considero que nós a ajudamos muito. Fiz a campanha mais falando bem da Dilma e mal do Serra do que falando de mim, e eu era candidato. Aqui em São Paulo, quem mais bateu no Serra fui eu — mais do que o PT, mais do que todos eles.
Os presidentes de todas as centrais foram em várias reuniões, em várias fábricas, nas principais empresas de São Paulo, e a Dilma não nos dá uma ligação, um telefonema. Ela podia até ligar, dizer “obrigada” e desligar, para não deixar a gente falar mais coisa nenhuma. Nem isso.
Vermelho: Qual é a sua avaliação destas primeiras semanas de governo Dilma?
Paulinho: O governo Dilma começa mal, começa errado, com uma política que não deu certo com o Fernando Henrique, não deu certo em outras épocas e não vai dar certo de novo. A relação com as centrais começou muito mal também. A pessoa que ela tinha escolhido para falar com as centrais, o Gilberto Carvalho, estava em férias. Parece que foi uma coisa muito bem combinada — “deixa o Gilberto em férias mesmo, e vamos enquadrar esses caras”.
Existem os financistas, que gostam de ganhar dinheiro sem trabalhar, vivendo de renda, do sistema, do mercado — essas coisas que a sociedade não consegue ver. A impressão que a gente tem hoje é que esse pessoal ganhou a Dilma provisoriamente. A luta das centrais agora é para ganhar a cabeça da Dilma — não é ir para o pau, romper com ela. Precisamos ganhar a Dilma para a nossa política, a que deu certo no governo Lula. Até para ajudar a Dilma, temos de bater duro nesse negócio, não aceitar esses rumos.
Vermelho: O alvo é a equipe econômica?
Paulinho: O alvo é a equipe econômica e esse povo que fez a cabeça dela, como o Palocci, que se reúne de manhã e à noite com ela. Sabemos o que o Palocci fala para a Dilma, porque ele não é nosso — ele joga do outro lado. Esse povo quer que a Dilma enquadre as centrais. Eles não sabem que o movimento sindical não pode ser enquadrado. Vamos comprar a briga por investimento, por crescimento, por desenvolvimento — e, para fazer isso, tem de aumentar salário.
Vermelho: Como se dava essa negociação entre governo e centrais com o Lula?
Paulinho: O Lula tinha outra cabeça e decidia com a cabeça dele. No começo de 2009, achávamos que o Lula não ia, no meio da crise, aplicar o aumento de 12,5% do salário mínimo, que representava mais R$ 40 bilhões investidos diretamente na economia. Fomos lá e o Lula garantiu: “Vamos manter o aumento e vamos montar com vocês uma espécie de gabinete da crise. Esse comitê vai existir oficialmente, mas não vamos falar dele com a imprensa”.
Passamos a nos reunir semanalmente com o Lula, o Luiz Dulci e o Gilberto Carvalho para identificar setores que estavam em dificuldade. O Lula ia cumprindo tudo o que aquele comitê dizia. Se o Brasil foi o último a entrar na crise e o primeiro a sair, foi por causa do salário mínimo — que era de US$ 70 na época do Fernando Henrique e passou a mais ou menos US$ 290, US$ 295 com o Lula. Isso melhorou a vida de 49 milhões de brasileiros e ajudou o país a sair da crise.
Vermelho: O governo Dilma não mostrou disposição para negociar nada?
Paulinho: Eu achava que eles iam jogar duro, e negociação é assim. A gente fala R$ 580, eles dizem que não vão dar. Numa certa hora, chega-se a um acordo intermediário. Como eles não falaram, nós recuamos para R$ 560 e recuamos ainda mais ao aceitar o reajuste como antecipação do aumento de 2012. Mas nada. É isso o que a gente não entende. Se não somos inimigos, por que o governo foi tão duro com a gente?
Meu partido e eu apoiamos a Dilma, e ela sabe disso. Achei mesmo que o governo estava fazendo esse jogo e depois cederia um pouquinho. Mas não cedeu nada. E o governo ainda foi ao Congresso para enquadrar os deputados. Eu sei como é que foi. A pressão foi impressionante sobre os partidos da base. Será que vale a pena essa guerra conosco só por causa de R$ 15 a mais no salário mínimo? Depois a gente vê aqueles deputados do PT comemorando porque derrotaram os pobres. É impressionante.
Vermelho: Você, além de presidente da Força, é deputado por um partido da base aliada ao governo. Como fica a sua relação com a Dilma depois dessa pressão toda?
Paulinho: Na verdade, não sofri pressão, não. O Gilberto Carvalho veio me chamar e teve uma conversa muito respeitosa comigo. Ele sabia do tamanho da encrenca que o governo tinha montado no Congresso e veio me dar um recado: “Vamos ganhar, mas queremos olhar para frente, manter as negociações”. Na saída, a Dilma estava chegando, e o Gilberto queria que eu fosse cumprimentá-la. E eu disse: “Melhor não ser assim. Me deem outro elevador para eu não ter de me encontrar com ela”.
A Dilma tem de receber as centrais oficialmente, não em corredor. Somos os maiores aliados da Dilma. Vamos provar isso no dia em que ela precisar, e ela vai precisar, a vida vai mostrar isso. Aí ela vai ver quem está realmente do lado dela — se são aqueles que votaram com o governo por pressão ou se são aqueles que irão às ruas para defender seu governo.