Café, por exemplo, subiu 60% no atacado. Especialistas projetam alta de até 0,83% no grupo alimentação
Um homem fotografa a represa Atibainha, que faz parte do sistema Cantareira, em Nazaré Paulista, na pior seca dos últimos 80 anos. – NACHO DOCE / REUTERS
A falta de chuvas já se reflete nos preços de alimentos, e especialistas afirmam que isso será percebido no IPCA-15, a ser divulgado nesta terça-feira pelo IBGE. Projeta-se alta de até 0,83% do grupo alimentação, que havia dado uma trégua entre junho e agosto. No Sudeste, café, carne e leite sentem mais a estiagem. A safra de cana-de-açúcar também será afetada. Já no Centro-Oeste, o plantio da soja foi adiado por causa da seca, enquanto no Sul esse atraso ocorreu com o arroz pela razão oposta: excesso de chuva.
Levantamento feito pela consultoria MB Agro a pedido do GLOBO, com base em dados do mercado, como do Cepea, mostra que o volume de chuvas no período entre janeiro e setembro deste ano foi de 457 milímetros no município de Guaxupé (MG), com forte produção de café, 58% menor que os 1.087 milímetros de igual período do ano passado. O preço do café no atacado, por sua vez, saltou 60% entre setembro de 2013 e setembro de 2014.
Em Rio Verde (GO), com pecuária forte, o volume de chuva nos nove primeiros meses deste ano foi 38% menor que em igual período de 2013, enquanto o preço da carne bovina subiu 24% entre os meses de setembro do ano passado e deste ano. Já em Uberlândia (MG), com pecuária leiteira, o volume de chuva recuou 45%, enquanto o preço do leite caiu 4%, nas mesmas bases de comparação. Na Região Centro-Oeste, a estiagem levou ao adiamento da plantação da soja.
— No caso do café, é possível observar que uma menor quantidade de chuva acabou levando a um aumento de preço. Na carne bovina e no leite, a falta de chuvas teve influência no preço porque o clima seco prejudica as pastagens, mas não foi o fator determinante. Houve aumento das exportações de carne para a Rússia e expectativa maior de consumo interno, enquanto no leite o preço da ração caiu, o preço no mercado internacional está menor e a captação está maior — explica o engenheiro agrônomo Francisco Queiroz, analista da MB Agro e responsável pelo levantamento.
‘TRAJETÓRIA DE ALTA ATÉ O FIM DO ANO’
Tomate, hortaliças, frutas, tubérculos, além de feijão, frango e carne bovina, apontam especialistas, estão mais caros nas gôndolas dos supermercados desde o início deste mês. Segundo Leonardo França Costa, economista da Rosenberg Associados, a pressão do grupo alimentação na inflação deve continuar pelo menos até dezembro. Ele projeta alta de 0,83% do grupo no IPCA-15, contra avanço de 0,28% no mês passado e retração de 0,32% em agosto. Já Fábio Romão, economista da LCA Consultores, estima variação de 0,82% nos alimentos:
— É uma trajetória de alta daqui até o fim do ano. Historicamente, os alimentos ficam mais caros no último trimestre, mas há a seca neste ano. Então, é a sazonalidade majorada pelo clima.
Em pesquisa divulgada ontem, a Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio-SP) confirma essa previsão. O custo de vida do paulistano subiu 0,63% em setembro frente a agosto. Das nove categorias pesquisadas, foi a de alimentação e bebidas que mais colaborou para o resultado, com alta de 1,39%, contra decréscimo de 0,20% um mês antes. Esse resultado, segundo a Fecomércio, deveu-se aos aumentos nos preços da carne bovina e das frutas, de 3,17% e 4,13%, respectivamente.
SECRETÁRIO TEME ‘SITUAÇÃO CAÓTICA’
No Rio de Janeiro, a Ceasa ainda não aponta impacto da estiagem nem na oferta nem nos preços, mas produtores e distribuidores dizem já sentir essa influência. Para a gerente da Fazenda Verde Rita de Cássia Martins, que distribui para empresas, tomate, aipim, jiló e chuchu já estão mais caros. E Wesley Valadares, gerente administrativo da Fazenda Vale das Palmeiras, em Teresópolis, disse que na propriedade o nível dos lagos foi reduzido em dois metros depois de mais de 20 dias sem chuva:
— Ontem (domingo), choveu um pouco, a terra deu uma umedecida, mas ainda não foi o suficiente. As reservas de água estão no limite.
De acordo com Newton Novo, da divisão técnica da Ceasa, no entanto, isso ainda não se refletiu na oferta de verduras e legumes, a despeito de uma queda de 1,7% na disponibilidade de itens produzidos pelo Estado do Rio no período entre junho e setembro, em comparação a igual período do ano passado:
— O Estado do Rio abastece a Ceasa principalmente com folhosas, como alface, couve-flor, espinafre e agrião, mas não vemos nenhuma variação de preço. Essa queda não dá para apontar como instabilidade na oferta de produtos.
Já o secretário de Agricultura do Estado do Rio, Alberto Mofati, vê com preocupação o momento atual e prevê “uma situação caótica” se as chuvas não começarem com regularidade dentro de um mês:
— O que estamos observando são perdas generalizadas em pecuária, tanto bovina quanto leiteira, café, cana e, em menor medida, hortifrutigranjeiros. São perdas que variam de 10% a mais de 30%. Se não tivermos chuvas, podemos esperar mais efeitos, até nas próximas safras, por dificuldades no plantio.
Na avaliação de Mário Perin, analista de mercado da consultoria Agra FNP, a seca deste ano está entre as piores da História. Segundo o presidente da Comissão Nacional de Cana-de-Açúcar da CNA, Ênio Fernandes, devido à estiagem prolongada, a safra de cana deverá ter uma quebra de 10% em todo o Brasil e de 12% em São Paulo, o que corresponde a cerca de 50 milhões de toneladas a menos.
— Em algumas regiões de São Paulo, há queda de produtividade em torno de 30% — disse Fernandes, ressaltando que a próxima safra deve ficar comprometida, pois as plantas não se desenvolvem por causa da falta d’água. — Esperávamos uma safra em torno de 600 milhões de toneladas em todo o Centro-Sul, mas isso não deve mais ocorrer.
ARROZ: SÓ 15% DA SAFRA PLANTADOS
No Sul, o problema é o excesso de chuva. Segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), só foi possível plantar 15% do total da safra até o momento, em vez dos habituais 40% para a época. Claudio Pereira, presidente do Irga, explica que, para ser produtiva, a plantação precisa ser concluída até 15 de novembro:
— Enquanto o Sudeste sofre sem chuva, nós estamos torcendo para parar de chover.
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Francisco Chardon, presidente da Câmara Setorial do Arroz, formada por representantes do setor privado e do Ministério da Agricultura, faz coro:
— Os reservatórios estão com água suficiente, temos água armazenada para toda a safra, mas há atraso no plantio.
O Rio Grande do Sul produz entre 65% e 70% de todo o arroz nacional. Segundo Romão, da LCA, se as chuvas naquele estado continuarem no atual ritmo, o arroz poderá pesar no bolso do consumidor em 2015.