Eduardo Laguna | De São Paulo
O espantoso avanço dos estoques de veículos, que chegaram ao nível mais crítico desde a crise financeira de 2008, aponta para um ciclo de cortes na produção das montadoras mais longo – e também mais profundo – do que poderiam sugerir os ajustes feitos nos últimos dois meses como adequação ao cenário de menor consumo interno e forte queda nas exportações para a Argentina.
Enquanto os embarques ao país vizinho despencavam diante das restrições a importações do governo de Cristina Kirchner, o mercado doméstico já dava, em fevereiro, sinais de desaceleração à medida que iam se esgotando os estoques de carros com as alíquotas mais baratas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Mas, até então, a indústria parecia controlar bem a situação dos estoques, ao reduzir consideravelmente sua produção, como a realidade exigia. No primeiro trimestre, a queda na fabricação de veículos chegou a expressivos 8,4%.
Mesmo assim, os números do setor divulgados na sexta-feira da semana passada revelaram uma escalada dos estoques que trouxe ingrediente novo à indigesta combinação de fatores que vem derrubando os resultados das montadoras. O nível de veículos encalhados em pátios de fabricantes e revendas, que estava num patamar equivalente a 37 dias de venda em fevereiro, saltou para 48 dias em março, conforme informou a Anfavea, entidade que representa as montadoras. Não se via nível tão alto desde novembro de 2008, no auge da crise financeira internacional, quando o giro estava em 56 dias.
Luiz Moan, presidente da Anfavea, que vinha considerando como “normal” estoques de até 40 dias, admitiu desta vez que a situação é preocupante. Disse também que o setor vai trabalhar para reduzir o encalhe nos próximos meses. Embora a produção esteja menor, o ritmo de vendas segue bem aquém das expectativas. Assim, leva-se mais tempo para completar o giro dos estoques. Há na indústria quem calcule em 34% o excesso de capacidade nas montadoras e algumas delas se preparam para um período mais longo de ociosidade.
Depois de reduzir o programa de produção para o restante do ano, a Mercedes-Benz decidiu abrir um programa de demissões voluntárias e suspender um dos dois turnos de produção na linha de caminhões em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Parte do excedente de mão de obra na Mercedes – estimada em cerca de 2 mil operários – ficará afastada da fábrica por meio de licença remunerada. Outras montadoras suspenderam temporariamente contratos de trabalho por prazos mínimos que vão de três a cinco meses, como a MAN e a Peugeot Citroën, no sul do Rio de Janeiro, e a Volkswagen, no Paraná.
Ao apresentar o balanço da indústria no primeiro trimestre, Moan, da Anfavea, disse que o governo errou ao subir o IPI na virada do ano e reconheceu que o mercado tem hoje um viés de baixa. Porém, ele ainda não confirma, ao menos publicamente, negociações para adiar a rodada de aumento do IPI prevista para julho. À espera de um ambiente menos volátil, a entidade evitou revisar agora as projeções que apontam para crescimento tanto das vendas como da produção de veículos neste ano.