Estoques caem, mas retomada ainda é incerta

Arícia Martins | De São Paulo

Puxada pelo setor automobilístico, a indústria conseguiu se livrar de parte dos estoques excessivos em junho e começou o segundo semestre com inventários mais ajustados, após um primeiro semestre marcado por mercadorias paradas e fraqueza da produção. Duas pesquisas, apesar de divergirem a respeito da quantidade de setores estocados, apontam que, na média, o setor terminou o mês passado com menos inventários. No entanto, ainda deve pesar sobre a atividade industrial na segunda metade do ano, na visão de economistas, o cenário externo conturbado, que afeta a confiança dos empresários e diminui expectativas de demanda futura.

Números da Fundação Getulio Vargas (FGV) indicam que a maior parte dos 14 setores da indústria de transformação terminou junho com estoques ajustados, com exceção de têxteis, celulose e papel e material de transporte – segmento no qual a indústria automobilística tem o maior peso. Dados da Anfavea (entidade que representa as montadoras), contudo, mostram que o corte do IPI para automóveis conseguiu esvaziar os pátios das fábricas. Do equivalente a 43 dias de venda em maio, o estoque caiu para 29 dias no mês passado, nível considerado normal.

A sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sinaliza que o acúmulo de estoques indesejados pesou menos em junho, mas seguiu incomodando. O indicador relativo a inventários recuou de 53,1 pontos em maio para 52,5 pontos – acima de 50, a leitura é de que os estoques estão acima do planejado. Dos 30 setores da indústria extrativa e de transformação pesquisados pela entidade, 19 ainda se queixavam de mercadorias paradas em excesso em junho, mesmo número de maio. Desses, no entanto, 11 diminuíram parte do excesso entre um mês e outro.

Pela prévia da FGV, com informações coletadas em cerca de 800 companhias, a situação parece mais favorável em julho, quando nenhum setor registrou diferencial igual ou maior a dez pontos percentuais entre empresas que relataram estoques excessivos e insuficientes. A fatia de empresários que afirmou estar com inventários ajustados aumentou de 84,5% em junho para 91,2%. “As empresas voltaram a ajustar estoques depois de maio e junho”, avalia Jorge Braga, coordenador da Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação da FGV.

Braga lembra que, após um processo de redução que vinha desde dezembro de 2011, o percentual de empresas que informou possuir estoques excessivos subiu para 8,8% em maio e teve nova alta, para 9,3%, em junho. Com base nos dados da prévia de julho, diz o economista, as mercadorias paradas não devem mais ser um empecilho para a produção industrial, que acumula queda de 3,4% nos primeiros cinco meses do ano.

Em compensação, o agravamento do cenário externo e a demanda doméstica menos robusta continuam agindo sobre as expectativas dos empresários e devem impedir uma recuperação pronunciada do setor industrial neste ano, mesmo com o câmbio mais favorável às exportações, diz Braga. Em julho, segundo a pesquisa da FGV, o Índice de Situação Atual (ISA), no qual está contido a demanda interna, recuou 1,1% em relação a junho, ao cair de 104,4 para 103,3 pontos, nível ainda dentro do patamar otimista, mas próximo da linha neutra de 100 pontos.

Sobre o indicador da demanda doméstica, o coordenador diz que ele vem perdendo fôlego desde o início de 2011, quando estava em 118,4 pontos e, nos resultados preliminares de julho, não apresentou melhora em relação aos dois meses anteriores, situando-se muito próximo do limite entre pessimismo e otimismo.

A falta de demanda foi relacionada por mais de 30% das empresas consultadas pela CNI como fator que dificulta o escoamento da produção armazenada. “Os empresários ainda estão errando nas previsões de vendas, que estão ficando abaixo do esperado, e a queda da produção industrial não foi suficiente para acabar com o crescimento de estoques indesejados”, afirmou o economista-chefe da CNI, Renato da Fonseca.

Segundo a sondagem da entidade, a produção caiu em quatro dos seis primeiros meses de 2012 e, mesmo assim, os estoques se elevaram em cinco deles. Além da demanda doméstica mais fraca, Fonseca identifica problemas no cenário internacional para explicar os estoques elevados. “No mercado externo, os principais consumidores de produtos manufaturados são Europa, EUA e Argentina, e eles estão com problemas.”

Para Thovan Caetano, economista da LCA Consultores, os indicadores da FGV e da CNI, embora não caminhem necessariamente juntos, apontam para a mesma direção: a indústria conseguiu desovar parte dos estoques no primeiro semestre, com destaque para o setor automobilístico, por meio de paradas na produção, o que corrobora seu cenário de retomada gradual da atividade industrial na segunda metade do ano. No caso de automóveis, a desoneração fiscal provocou um salto nas vendas em junho, mas, ainda assim, a produção do setor acumula queda de 18,1% de janeiro a maio sobre o mesmo período de 2011.

Caetano destaca que a redução de estoques foi mais expressiva no setor de bens de consumo, entre duráveis e não duráveis. Nesse segmento, a diferença entre o percentual de estoques excessivos e insuficientes recuou para 6,5% em junho, segundo a pesquisa da FGV, após ter registrado média de 8,5% de janeiro a maio. Ainda assim, a relação atual está muito superior à média mensal de 2,2% registrada entre 2004 e 2011. “O ajuste de estoques ainda tem um caminho a percorrer, porque a demanda ainda está contida.”

Devem ajudar nesse processo e melhorar a confiança do empresariado no segundo semestre, de acordo com Caetano, o real mais depreciado e as medidas adotadas para reativar a produção.

(Colaboraram Thiago Resende e Lucas Marchesini, de Brasília)