Gustavo Maia,
Do UOL, em Brasília
Ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), o advogado Carlos Ayres Britto, 75, afirmou nesta quarta-feira (4) ao UOL que o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, “saiu do quadrado normativo a que devia se ater” ao divulgar declarações sobre a garantia da paz social diante da “situação que vive o Brasil”.
Em duas mensagens publicadas no Twitter na noite desta terça (3), o militar “asseguro[u] à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.
Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. — General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) April 3, 2018
“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”, questionou Villas Boas.
As declarações não fizeram menção direta ao julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo STF, que deve ser retomado na tarde desta quarta, mas foram publicadas em meio a protestos que pediam a prisão do petista.
Nomeado por Lula em 2003, Ayres Britto ficou na Corte até 2012, ano em que foi presidente do Supremo. Ele frisou disse que sua resposta sobre as declarações precisava ser dada em um contexto objetivo e um subjetivo.
“Eu conheço o comandante, e ele é ponderado, lúcido. A impressão que eu tenho dele é que é uma autoridade que está à altura do cargo que ocupa. Esse é o lado subjetivo, altamente favorecedor do comandante. Ele é muito equilibrado, sereno, bem inteirado das coisas”, destacou.
O lado objetivo das declarações, explicou Britto, é que lhe pareceu “desfocado das funções institucionais que o artigo 142 [da Constituição] reservou às Forças Armadas”. “Especialmente porque eu interpretei o texto do comandante como de especial preocupação com a preservação da lei e da ordem”, afirmou.
Segundo o jurista, as atribuições do Exército estão dispostas no título 5º da Carta Magna, “cujo nome é autoexplicativo: da defesa do Estado e das instituições democráticas”.
Diz o artigo 142 que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
“E nesse tema as Forças Armadas só podem atuar por iniciativa de qualquer dos poderes, e não de ofício, por iniciativa ou impulso próprio”, destacou Ayres Britto. O ex-ministro ponderou, no entanto, que o general “fez uma profissão de fé em torno da Constituição e da democracia, o que atenua uma interpretação literal do texto”.
Procurada pela reportagem, a Divisão de Relações com a Mídia do CCOMSEx (Centro de Comunicação Social do Exército) informou que “não deverá haver pronunciamento” de Villas Boas sobre a repercussão de seus tuítes.
Ainda na noite desta terça, o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, usou o Twitter para manifestar sua preocupação com a repercussão da fala do comandante do Exército, que foi saudada por generais da ativa.
“Isso definitivamente não é bom. Se for o que parece, outro 1964 será inaceitável. Mas não acredito nisso realmente”, escreveu Janot.
Decreto que aprovou o Regulamento Disciplinar do Exército aponta dentre a relação de “transgressões disciplinares” tomar parte, em área militar ou sob jurisdição militar, em discussão a respeito de assuntos de natureza político-partidária ou religiosa” ou “manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado” sobre os temas.
Outro item veda que militares discutam ou provoquem discussão, “por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado”.