Conjuntura: Regras estabelecidas pelo novo órgão terão de ser seguidas pelos dois lados
João Villaverde
Depois da medida provisória que concede reajustes reais anuais ao salário mínimo e da repartição do imposto sindical à seis maiores centrais sindicais do país, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva criará, até o início de novembro, a última das três grandes demandas que os dirigentes sindicais encaminharam a Lula desde o início de seu governo: o Conselho de Relações do Trabalho (CRT).
O “Diário Oficial da União” publicou, no início do mês, a portaria 2.092 do Ministério do Trabalho, que dá prazo máximo de 60 dias para que o CRT seja institucionalizado. Segundo apurou o Valor, a medida agrada não só sindicalistas, mas também empresários, que terão participação ativa no órgão.
Segundo a portaria, o conselho será composto de um representante de cada uma das seis confederações patronais com registro em Brasília e um de cada uma das seis centrais reconhecidas pelo governo. A lista de nomes, de ambos os lados, deve ser entregue ao ministério até o dia 3 de outubro, cerca de 30 dias antes da instalação formal do CRT.
Enquanto que do lado patronal as indicações ficam a cargo de cada confederação, do lado sindical devem ser seguidos os critérios de representatividade elaborados desde 2008 pelo governo. Assim, as maiores centrais terão mais assentos. Como, no entanto, o número de vagas é fixo – seis cadeiras – essa prerrogativa já gera debates mais quentes.
O interesse em participar do conselho é grande, uma vez que o CRT institucionaliza o antigo Fórum Nacional do Trabalho, criado no início do governo Lula, em julho de 2003, com o objetivo de realizar as “reformas sindicais e trabalhistas”. O fórum, coordenado por Ricardo Berzoini e Osvaldo Bargas, respectivamente, ministro do Trabalho e secretário de Relações do Trabalho do ministério no primeiro governo Lula, gerou dissenso no movimento – uma das discussões provocou um racha na Força Sindical, o que gerou a criação da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST).
“Trata-se de uma luta antiga das centrais, que querem espaço de diálogo contínuo com o Estado e com os empresários”, diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, a segunda maior central, de acordo com as estimativas do governo.
O CRT será um espaço para dois tipos de reuniões: uma entre integrantes do governo – indicados pelo Ministério do Trabalho – e sindicalistas; e outra entre governo e representantes empresariais. Essas reuniões terão caráter decisório, isto é, poderão definir regras a serem seguidas pelos dois lados.
Casos como perpetuação no poder de entidades sindicais – tanto de trabalhadores como de empresários – poderão ser atacados por meio de definições do CRT, que servirão, nas palavras de um líder empresarial, de “platitudes”.
Há 15 dias, o Sindicato Trabalhista de Carnes Derivados Chapecó (SC), que representa os trabalhadores da fábrica da Sadia na cidade, passou por sua primeira eleição em 22 anos. O pleito, no entanto, não ocorreu por definições internas, mas graças à intervenção do Ministério Público, após ação movida em conjunto por integrantes do Conlutas e da CUT.
“O Ministério Público não deve entrar em assuntos sindicais, mas isso só ocorreu porque o sindicato não teve práticas democráticas”, diz Juruna, para quem o CRT pode estabelecer um marco fundamental. “Podemos definir a realização de eleições a cada três anos, por exemplo, o que também daria maior legitimidade ao sindicato nas negociações salariais com as empresas”, avalia.
Para Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), o conselho pode servir para evitar a criação de diferentes sindicatos para uma mesma categoria. Patah, que se encontrou na semana passada com o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, avalia que o país vive uma “anarquia sindical”. Para ele, “os sindicatos se desmembram de acordo com interesses econômicos, e a sociedade perde muito com isso”.
Situação semelhante ocorre do lado patronal. O empresário Nelson de Abreu Pinto acumula a presidência de três entidades: o Sindicato de Hotéis, Restaurantes e Bares de São Paulo (SinHoRes-SP), da federação do setor em São Paulo (FeHoRes-SP) e da Confederação Nacional do Turismo (CNTur). Além disso, na semana passada, o SinHoRes-SP aprovou, em assembleia, a subdivisão em duas entidades – o SinHoRes-Osasco e o SinHoRes-Santana de Parnaíba.
Segundo apurou o Valor junto a fonte próxima à CNTur, uma das novas entidades será presidida pelo filho do presidente do SinHoRes-SP. Além disso, o próprio SinHoRes-SP passou por uma divisão interna. São dois sindicatos agora: o Sindicato dos Hotéis de São Paulo e o Sindicato de Bares, Restaurantes e similares de São Paulo. O primeiro continua sendo presidido por Pinto, e o segundo por outro filho do empresário. Procurado pela reportagem ao longo dos últimos 15 dias, o empresário não se pronunciou.
“Regras claras e transparentes para criação de sindicatos e sua filiação a federações e confederações, tanto do lado dos trabalhadores quanto do lado patronal, são boas para todo mundo. Especialmente para dirimir acusações e dúvidas nas negociações entre as partes”, diz Juruna.