Guinada no mercado de trabalho: do pleno emprego ao temor de demissões

A primeira reportagem da série sobre as cidades de desemprego zero foi publicada em 6 de abril de 2008 com o título ‘O Brasil fora das estatísticas’

No início de 2008, antes do estouro da crise financeira global, o Brasil amargava taxa de desemprego indigesta, na casa dos 9%. Enquanto isso, o improvável ocorria em seis cidadezinhas do interior do país. Turbinados por setores como produção de aves e indústria têxtil, esses municípios se destacavam por uma estatística de causar inveja: desemprego zero. O assunto foi tema de uma série de reportagens que recebeu o Prêmio Esso de Informação Econômica de 2008. As histórias que contrariavam o que se via na média dos números oficiais estavam escondidas em locais remotos. A reportagem passou pelas cidades de Saltinho (SP), Tupandi (RS), Nova Serrana (MG), Nova Marilândia (MT), Taquaral (GO) e Terra Roxa (PR). Na época, juntos, os municípios somavam pouco mais de 90 mil habitantes.

Desde então, o aquecimento do mercado de trabalho se expandiu por todo o país, o que levou economistas a classificarem a situação do Brasil de pleno emprego. A crise, porém, mudou este cenário. Hoje, com a taxa de desocupação novamente em alta — em 6,7% nas seis principais regiões metropolitanas e em 8,1% considerando a pesquisa do IBGE em todo o país em maio — o desemprego volta a ser fator de preocupação. Para tentar conter as demissões, o governo lançou na semana passada o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que permite reduzir a jornada em até 30%, com corte de salário na mesma proporção. A União pode compensar até 50% da perda salarial do empregado.

A primeira reportagem da série sobre as cidades de desemprego zero foi publicada em 6 de abril com o título “O Brasil fora das estatísticas”. Saltinho, a 180 km de São Paulo, era um dos exemplos. Na época, o setor sucroalcooleiro era responsável por 90% da economia local e impulsionava outros segmentos, como o de metalurgia.

O bom momento do mercado de trabalho local era resumido no título: “Faltam de domésticas a soldadores”. Hoje, o que ocorre em todo o país é exatamente o contrário. Os dados mais recentes do IBGE mostram uma combinação cruel para os trabalhadores. Com o agravamento da recessão, mais pessoas saem às ruas em busca de emprego. A mesma crise faz com que empresas cortem vagas, para diminuir custos.

Rodinei Grigolon acompanhou de perto a mudança de cenário. Em 2008, o então assistente de caldeira de 28 anos de Saltinho definia sua vida na pequena cidade assim: “tenho tudo, casa própria e até máquina digital”. A esperança de progredir na carreira deu lugar a uma opção mais pragmática após o aumento das demissões e a piora no salário: a mudança no rumo de sua vida profissional. Grigolon largou a metalurgia – área na qual estava se especializando em 2008 – e, hoje, ganha a vida como representante de vendas de uma pet shop, ramo que classifica como “muito bom”:

— Na área metalúrgica o salário estava complicado. Esse ano, com a crise, piorou.

A prefeitura informou que não tem dados oficiais de desemprego. Os dados do Caged, do Ministério do Trabalho, mostram piora sutil na geração de vagas com carteira: em 2007, Saltinho encerrou o ano com saldo negativo (admissões menos demissões) de apenas uma vaga. Naquele ano, o Brasil abrira mais de 1,6 milhão de postos. Em 2014, quando só 152 mil empregos foram criados no país, a cidade teve saldo negativo de 85 postos.

Juciele Gontijo, dona de uma confecção em Taquaral (GO) que, em 2008, abria vagas, vê o cenário para o ano com cautela:

— Taquaral se desenvolveu demais, só que agora o mercado está meio frio para todo mundo. Não aconteceu desemprego, mas a gente escuta os empresários falando em cortar para ver se dão conta de seguir em frente.

Se, em Saltinho, já há quem reclame da crise, na cidade gaúcha de Tupandi, os números do Ministério do Trabalho mostram melhora: o saldo positivo passou de 109 vagas em 2007 para 167, em 2014. Joaquim Weber, secretário de Agricultura e Meio Ambiente da cidade, destaca que o volume gerado pelo agronegócio local continuou avançando:

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— Já se fala há tempo de desemprego e crise no país, mas aqui faltam funcionários ainda.

O economista José Cézar Castanhar, consultor da FGV Projetos, via, em 2008, a força dos pequenos empreendimentos na criação de vagas. Hoje, ele avalia que o real desvalorizado pode contribuir para que os negócios locais resistam mais à crise:

— A desvalorização cambial é a principal novidade do cenário atual. Isso cria uma barreira na competição com os importados e beneficia exportações. Se houver retomada do crescimento em EUA e Europa, o momento pode ser mais favorável do que há sete anos.