Após o Banco Central surpreender o mercado com a manutenção dos juros em 6,5%, o dólar encostou em R$ 3,70 e a Bolsa teve o maior recuo em um ano
O dia seguinte à decisão do Banco Central de manter a taxa básica de juros (Selic) em 6,5%, surpreendendo os analistas, foi de tensão no mercado financeiro. O dólar atingiu R$ 3,6994, sua maior cotação em pouco mais de dois anos, e a Bolsa registrou o maior recuo em um ano: o Ibovespa, principal índice da B3, fechou com queda de 3,37%, a 83.621,94 pontos.
Esse nervosismo é reflexo de uma enorme incerteza que ronda tanto a economia global – o que vem derrubando as moedas dos países emergentes – quanto o mercado local, às voltas com um cenário que conjuga uma recuperação muito frágil da atividade econômica e uma enorme indefinição em relação às eleições de outubro.
Com isso tudo, nem a medida cautelosa adotada pelo BC ao decidir não mexer na taxa Selic, quando praticamente todo o mercado esperava um corte de 0,25 ponto porcentual, foi capaz de segurar o real.
Na teoria, uma taxa de juros de 6,5% tem mais capacidade de atrair capital externo que uma de 6,25%, o que fortaleceria a moeda brasileira. E, na manhã desta quinta-feira, 17, até chegou a parecer que decisão surtiria efeito: o dólar chegou a cair 0,57%, para R$ 3,6544. Logo depois, porém, a tendência se inverteu e a moeda americana passou quase todo o pregão negociada acima de R$ 3,70, para fechar o dia aos R$ 3,6994, uma alta de 0,65%. Foi a maior cotação desde 16 de março de 2016, quando a crise pré-impeachment de Dilma Rousseff atingia seu auge, com a nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil.
“Está prevalecendo a dinâmica de fortalecimento global do dólar, que anula qualquer efeito que a decisão do BC pudesse detonar”, disse o economista-chefe da Guide Investimentos, João Mauricio Rosal.
Para o estrategista de private banking do Banco Votorantim, Marcos de Callis, o cenário externo vem prevalecendo. Segundo ele, apesar dos problemas internos no Brasil, como o ajuste fiscal e as eleições, os emergentes, em bloco, estão sendo enxergados com risco maior pelos investidores e, assim, suas moedas acabam se desvalorizando.
Ações. Na Bolsa, o recuo do pregão desta quinta foi o maior, em termos porcentuais, desde 18 de maio de 2017, quando o índice caiu 8,8% após a divulgação da gravação feita por Joesley Batista, da JBS, com o o presidente Michel Temer. Para analistas, nesse caso, mais do que o cenário externo, pesa a recuperação lenta da economia.
“A redução na taxa de crescimento da economia do País afeta as perspectivas de lucro das empresas, tendo um impacto negativo (no preço dos papéis)”, disse Rosal. O economista acrescentou que os juros “um pouco mais altos” também aumentam o custo de financiamento das empresas, reduzindo o lucro futuro.
Para o economista-chefe da Modalmais, Alvaro Bandeira, a Bolsa “tinha de ceder”, porque não houve mais uma queda nos juros. “Foi também um momento de realização de lucro. A própria Petrobrás (cujos papéis ordinários caíram 4,49%) tinha subido mais de 20% (em maio).”
O estrategista-chefe da XP Investimentos, Karel Luketic, lembrou que apenas a Bolsa vinha apresentando resultados positivos nas últimas semanas, enquanto o cenário interno e externo era negativo. “A mudança no tom do BC indicou que a percepção de risco é maior do que há uma semana. Os investidores acabam reduzindo sua exposição ao risco”, disse. Nesta quinta, o risco Brasil, medido pelo Credit Default Swap (CDS), derivativo que protege contra calote da dívida soberana, chegou a ser negociado a 193,2 pontos, em alta de 4,27 pontos em relação ao final de quarta-feira.
Luketic destacou também que o dia de resultados negativos no mercado refletiu ainda a divulgação, na quarta-feira, do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que apontou para retração de 0,13% no 1.º trimestre.