Juízes se dizem cautelosos em relação à nova forma de encerrar contratos, em vigor desde novembro
Laís Alegretti
Novidade da reforma trabalhista, a homologação de acordos entre patrão e empregado para encerrar o contrato, é alvo de resistência dentro dos tribunais.
Juízes rejeitaram um a cada quatro acordos analisados de janeiro a março, segundo balanço inédito do TST (Tribunal Superior do Trabalho). Eles foram barrados pelos juízes principalmente devido à grande abrangência, que, na visão deles, pode prejudicar os trabalhadores.
Dos mais de 5.000 acertos julgados no primeiro trimestre, 75% (3.800) foram homologados pela Justiça.
A homologação na Justiça de acordos entre patrão e empregado é uma previsão criada pela reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro de 2017.
Ao mesmo tempo, a nova lei acabou com a obrigação de homologar rescisão no sindicato, que reconhece só a quitação dos valores pagos.
Agora, o contrato pode ser encerrado na própria empresa. Se quiserem, patrão e trabalhador podem submeter o acordo à Justiça.
A análise dos primeiros meses dessa nova possibilidade revela que o alcance dos acordos é o grande impasse.
“Alguns juízes estão se recusando a homologar. Geralmente, é quando tem a cláusula de quitação geral”, relata o juiz auxiliar da vice-presidência do TST, Rogerio Neiva.
Esse dispositivo impede o trabalhador de fazer qualquer questionamento no futuro, como pedir indenização por uma doença ocupacional.
Além dos casos em que os juízes vetam o acordo, eles também podem homologar de forma parcial.
“Quando o juiz, sem ouvir as partes, homologa o acordo ressalvando a cláusula de quitação geral, me parece que ele está mudando seu acordo sem te ouvir”, critica Neiva.
O presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Guilherme Feliciano, rebate as críticas de que alguns juízes evitam aplicar a nova legislação e argumenta que nenhum ponto da reforma diz que os acordos devem ter quitação geral, ampla e irrestrita.
Para Feliciano, o novo procedimento não pode ter uma abrangência tão grande.
“Tem que ser restrita a títulos e valores indicados na peça inicial. Se for por esse caminho, pode ser útil. Se não, pode gerar confusão”, diz. “Não podemos permitir que seja usado para sacrificar direitos.”
Sócio de um escritório que apresentou mais de 40 acordos, o advogado Osmar Paixão estima que a Justiça não tenha dado aval a metade dos casos.
“Os juízes mantêm a mentalidade, como se o novo instrumento não tivesse possibilidade de dar ampla, geral e irrestrita quitação. Eles não estão dando a amplitude toda”, reclama o advogado.
Os casos representados por Paixão são principalmente de empresas das áreas financeira e de varejo, em acordos que tratam, entre outros pontos, de hora extra e diferença salarial por desvio de função.
Como em outras ações, cabe recurso da decisão.
Para Neiva, o caminho é analisar caso a caso. “Há situações em que será prudente não dar quitação total e ponto final. Tem outras que, analisando, não tem problema”, diz.
O juiz alerta, ainda, para a necessidade de usar o mecanismo de maneira ética. “Se rolar picaretagem e tentarem usar isso para enganar e prejudicar o empregado, será o caminho para o fracasso.”
A reforma estabeleceu que empresa e trabalhador precisam ser representados por advogados e que devem ser profissionais diferentes.
Em outros pontos, falta regulamentação, segundo Neiva. A lei não veta, por exemplo, que os advogados sejam do mesmo escritório. Também não limita local ou meios para negociação do acordo.
“Na empresa? Escritório do advogado? Boteco? Embaixo da árvore? A lei não fala. Pode ser feito via WhatsApp, email, telefone?”, afirma Neiva. “Em algum momento, acredito que o TST vai ter de enfrentar o tema.”
O tribunal criou uma comissão de ministros para estudar a aplicação da reforma. O prazo para conclusão do trabalho foi prorrogado para 18 de maio.
Entre outros pontos, a expectativa é que eles definam se as regras da reforma trabalhista devem valer apenas para os novos contratos.
Ives Gandra Martins Filho, ministro do TST e um defensor dos acordos coletivos, reforçou a posição crítica em relação à forma como os colegas têm tratado a reforma trabalhista.
Em evento na semana passada, na capital paulista, Gandra Filho disse que a insegurança jurídica após a reforma trabalhista é criada por juízes que não aceitaram a nova lei.
“Não é a reforma que está gerando insegurança, são os juízes que não querem aplicá-la”, diz Gandra Filho. Para o ministro, que deixou o posto de presidente do TST em fevereiro deste ano, esse movimento é um “suicídio institucional”.
“Se esses magistrados continuarem se opondo à modernização das leis trabalhistas, eu temo pela Justiça do Trabalho. De hoje para amanhã, podem acabar com [a instituição]”, disse ele.
Colaborou Natália Portinari