Valor Econômico
Por Adriana Aguiar
De São Paulo
O casamento acabou e o motivo da separação se espalhou entre os colegas. Ser conhecido e chamado de “chifrudo” dentro da companhia foi apenas questão de tempo. O comportamento que não teria sido repelido pela empregadora gerou a um trabalhador de Minas Gerais uma indenização de R$ 10 mil. A decisão da 5ª Vara do Trabalho de Betim condenou a companhia a pagar o montante pelo chamado assédio moral horizontal, praticado por trabalhadores de um mesmo nível hierárquico. O conceito, apesar de ainda não ser difundido, já está presente em decisões até do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e responsabiliza as empresas que nada fazem para impedir humilhações sofridas pelo funcionário.
As ações que tratam de assédio moral na Justiça do Trabalho têm aumentado anualmente. O TST julgou 656 processos sobre o tema no ano passado, um crescimento de 44% em relação a 2009, quando foram analisados 455 pedidos. Em 2008, os ministros da Corte decidiram em 294 casos. Essas ações tratam em geral do assédio moral hierárquico, pelo qual quem ocupa um cargo de chefia humilha, promove terrorismo psicológico ou expõe ao ridículo seus subordinados. Na Justiça, porém, já há decisões que reconhecem o assédio moral entre colegas. E a doutrina vai mais longe e admite até mesmo o assédio moral de subordinados a chefe.
No caso de Betim, o trabalhador alegou que a empresa não tomou providências para evitar que os funcionários o ridicularizassem. A ex-mulher do empregado – funcionária da mesma companhia – traiu e o trocou por seu supervisor. A empresa, contudo, argumentou no processo que não poderia ser punida pelo fim do relacionamento e nem pelo adultério praticado pela empregada. Também afirmou que jamais teve ciência de que o trabalhador era tratado de forma pejorativa pelos colegas.
A juíza substituta Maila Vanessa de Oliveira Costa, da 5ª Vara do Trabalho de Betim, entendeu que os depoimentos das testemunhas comprovaram que a companhia teve conhecimento dos fatos e chegou a realizar reuniões entre supervisores dos setores envolvidos. Apesar disso, a empresa não teria tomado nenhuma medida para repreender a atitude. Para a magistrada, a situação, “embora originada na esfera pessoal, íntima, de seus empregados, chegou a níveis insustentáveis, de modo a influenciar o andamento normal dos serviços ou a boa convivência no local de trabalho”. Os nomes dos envolvidos e da empresa foram mantidos em sigilo pelo tribunal por envolver questões pessoais.
Sem lei federal que aborde o assédio moral, os tribunais utilizam a construção jurisprudencial sobre o tema e aplicam por analogia leis estaduais e municipais que vedam essa prática entre servidores públicos. As normas, além de descreverem atitudes consideradas como assédio moral (leia o quadro acima), também instituem penalidades para o assediador – que vão desde a advertência e suspensão até a demissão. Como o Código Civil estabelece que as empresas são responsáveis civilmente por seus empregados, as companhias estão sendo condenadas a indenizar por não tomarem medidas contra o assédio sofrido.
Em uma decisão da 1ª Turma do TST, do relator ministro Vieira de Mello Filho, a Corte também admitiu que o assédio moral, decorrente de tortura psicológica continuada, pode “ser exercitado pelo superior hierárquico, por empregados do mesmo nível e pelos subordinados contra o chefe”.
Segundo o processo, o gerente de uma grande empresa de refrescos em uma festa promovida pela companhia teria feito referências grosseiras e humilhantes a um grupo de empregados que sofreram acidente de trabalho. De acordo com os depoimentos, ele teria chegado a apontar para a mesa, na qual estava sentada a vítima e outros colegas e os chamado de “vagabundos” e de “banda podre da empresa” por serem portadores de doenças profissionais ou ocupacionais e que, portanto, teriam direito a licenças médicas. A partir desse evento, os demais colegas da vítima, segundo o processo, passaram a evitá-lo e a reproduzir a conduta de discriminação iniciada pelo gerente.
O ministro Vieira de Mello Filho afirma na decisão que “é simplesmente inacreditável que uma empresa do porte da reclamada tolere tal espécie de conduta”. A companhia foi condenada a pagar uma indenização ao empregado no valor de 12 vezes a sua remuneração mensal.
Já um eletricista de uma grande empresa que cometeu assédio moral contra um de seus colegas, teve sua demissão por justa causa mantida pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Goiás. Ele teria sido o responsável por conseguir uma foto de um outro empregado no Orkut e ter produzido um cartaz escrito com o letreiro “Magayzine”, afixado no balcão do almoxarifado da empresa.
Para o relator do processo, desembargador Platon Teixeira de Azevedo Filho, a atitude do funcionário foi ofensiva e se concretizou com a atribuição pública, pejorativa e discriminatória da suposta opção homossexual da vítima. “A conduta do autor de sugerir uma opção sexual não aceitável socialmente é capaz de causar grave lesão ao empregado que, indubitavelmente, sentiu-se ofendido em sua dignidade, honra, imagem, e, quiçá, na intimidade”, ressaltou. Assim, manteve a demissão por justa causa na qual o trabalhador tentava reverter no processo.