Quando ingressou na Pepsico em setembro do ano passado, Alexandre Espinosa já sabia de uma vantagem oferecida pela empresa e ainda incomum no mercado brasileiro. Além dos cinco dias consecutivos de licença-paternidade previstos pela lei, a companhia oferece aos papais mais cinco dias úteis de afastamento remunerado. O benefício poderia parecer irrelevante diante dos desafios do novo emprego, mas não foi assim: o executivo esperava o nascimento de gêmeos para o início de 2014, e mais dias em casa com a esposa e os dois bebês era algo de grande valor.
“Consegui tirar a licença estendida com tranquilidade”, conta o diretor de remuneração, benefícios e qualidade de vida da Pepsico no Brasil. O tempo extra em casa foi importante para ele dar atenção ao primeiro filho e para ajudar por mais tempo a esposa, Katharine, na complexa tarefa de também cuidar de dois recém-nascidos.
Uma experiência semelhante teve Marcos Rogério Santos, especialista em remuneração da Pepsico. Assim como Espinosa, o executivo dividiu seu tempo entre ajudar a esposa e cuidar da primeira filha. Santos afirma que sentiu uma diferença grande entre o nascimento de Rafaela, há quatro anos, quando teve apenas a licença legal de cinco dias corridos, e o nascimento de Lucas, em julho. “Com esse tempo extra, é possível participar mais do processo de adaptação”, diz.
A permanência na maternidade ocupa a maior parte do tempo estabelecido para a licença de cinco dias. Geralmente, a internação hospitalar para a mãe que passa por uma cirurgia cesariana dura 72 horas. Quando o parto é normal, são 48 horas.
A discussão sobre a duração da licença do pai levanta uma questão sociocultural. De acordo com um estudo da International Network on Leave Policies and Research (Rede Internacional sobre Políticas de Afastamento e Pesquisa, em tradução livre), os legisladores em alguns países já entenderam que as crianças são responsabilidade tanto da mãe quanto do pai. Ele mostra que é assim nos países da União Europeia, onde desde 2010 uma diretiva estabelece que os pais terão no mínimo quatro meses de licença cada um para “tomar conta do filho até uma determinada idade”.
O mesmo estudo demonstra, contudo, que a duração da licença para os homens é uma questão sem resposta única. No relatório editado pelo pesquisador Peter Moss, do Instituto de Educação da Universidade de Londres, a licença-paternidade ainda varia de dois a dez dias na maioria dos 34 países pesquisados. Há algumas exceções. Na Eslovênia, por exemplo, dura 90 dias. Na Finlândia, nove semanas. Nos Estados Unidos, não existe. No Brasil, a legislação determina cinco dias corridos no setor privado.
A ampliação voluntária da licença por parte de empresas no Brasil vive esse dilema sobre o prazo. Na Basf, o grupo de funcionários que discute diversidade de gênero analisou algumas possibilidades. A conclusão que acabou sendo proposta para o comitê executivo e aprovada é que a empresa deveria simplesmente dobrar a licença legal de cinco para dez dias corridos.
Segundo Guilherme Bara, gerente de diversidade e inclusão da Basf para a América do Sul, o grupo entendeu que, caso fosse maior do que isso, alguns funcionários poderiam rejeitar a ideia de ficar tanto tempo afastado do trabalho. No entanto, aqueles que desejam ficar mais tempo em casa têm o direito de usar as férias para isso.
A filial brasileira do Google acatou a instrução global da empresa. Os papais “googlers” recebem da empresa o direito de ficar quatro semanas em casa quando o filho nasce. Esse período pode ser usufruído quando o funcionário quiser, até o nenê completar um ano. “Tem pais que optam em quebrar a licença em dois períodos. Tiram duas semanas assim que nasce o bebê e as outras duas quando termina a licença-maternidade. A escolha é de cada um”, diz Monica Santos, diretora de RH do Google para a América Latina.
Guilhermo Bressane, responsável pelo atendimento à indústria automotiva no Google, foi um dos que decidiram dividir a licença em dois períodos. “Conversei com alguns pais do Google. Quem pegou um mês corrido se arrependeu porque, nessas primeiras semanas, o nenê dorme muito. O pai não tem muita oportunidade de interagir”, afirma. O executivo tirou os primeiros 15 dias em agosto, quando a filha Lina nasceu. As duas semanas restantes, ele planeja folgar quando a nenê tiver em torno de quatro meses. Assim como Santos, funcionário da Pepsico, Bressane aproveitou os primeiros dias para dar banho, trocar fraldas e apoiar a esposa. Ele conta que foi a todas as consultas com o pediatra. “Tinha muita vontade de ser pai. Então me envolvi bastante”, diz.
Monica, do Google, afirma que ampliar o benefício é uma espécie de investimento que a organização faz. “Se você respeita o seu funcionário, ganha um profissional muito mais engajado”. A mesma percepção têm os empresários da Radix, empresa carioca de engenharia e desenvolvimento de softwares. Desde a fundação, em 2010, a companhia oferece como benefício uma licença maior para pais e mães. São 15 dias consecutivos para os homens e seis meses para as mães. “As pessoas se sentem respeitadas quando têm a chance de ficar com a família em um momento de necessidade”, afirma Luiz Eduardo Rubião, sócio-fundador e presidente executivo da Radix.
Rubião afirma que o custo de ter um profissional recebendo o salário e benefícios sem trabalhar por mais de duas semanas acaba sendo, indiretamente, compensado. Nos projetos que exigem dedicação extra, o empresário percebe que os funcionários estão engajados e que as famílias deles entendem a demanda. De certa forma, funciona como uma troca. “Quando a empresa precisa, o funcionário está presente. Quando a família precisa, também”, diz.
Em algumas empresas, a discussão sobre ampliar a licença dos pais ocorre em meio ao debate sobre diversidade e equidade entre os gêneros. Foi assim na Pepsico, na Basf e também no escritório de advocacia Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz. No início do ano, a direção do escritório avaliava a ampliação da licença-maternidade de 120 para 180 dias quando decidiu discutir os benefícios estendidos aos pais. A decisão foi ampliar para 30 dias a licença-paternidade.
Cristiane Carlos, gerente de recursos humanos, lembra que a possibilidade foi estudada com cautela para não colidir com nenhum direito trabalhista ou incorrer em algum erro. “Averiguamos se a legislação permitia e vimos que não havia problemas”, destaca.
Vale ressaltar que em todas as empresas citadas, os empregados não sofrem perda na remuneração ou nos benefícios como vale-transporte ou vale-refeição. Desse modo, a ampliação – ainda que pontual e vagarosa – da licença-paternidade pelas empresas é um fato positivo.
Na avaliação de Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da consultoria Txai e estudioso do tema diversidade, esse movimento está mudando o paradigma sobre o cuidado com os filhos. “A conversa sobre a licença e o envolvimento dos homens na questão dos filhos já está ajudando a mudar a visão de que a responsabilidade é só da mulher”, diz.
No congresso nacional, alguns projetos de lei tramitam discutindo mudanças na licença-paternidade há alguns anos. Nenhum até hoje foi aprovado alterando a regra para o setor privado determinada pela Constituição Federal de 1988. Bulgarelli entende que, muitas vezes, mudanças dessa natureza começam a ser fomentadas a partir de programas de equidade de gênero, como ocorreu em empresas como a Pepsico e a Basf, e também a partir de demandas de profissionais lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBTs).
No banco HSBC, a extensão de alguns benefícios a casais homossexuais surgiu em 2007. O homem que adotar uma criança com seu parceiro, por exemplo, pode requerer uma licença de 30 dias. Se duas colaboradoras do banco comprovarem a união estável, uma pode requerer a licença-maternidade e a outra, o equivalente à licença-paternidade. A instituição ainda não implementou uma licença-paternidade maior do que a determinada pela constituição.
Ao que tudo indica, o debate está longe de ser concluído. Mesmo em países onde essa discussão já demonstra maior maturidade, o tema está constante evolução. Na Noruega, uma mudança passou a valer em meados deste ano, segundo relata Berit Brandth, professora e pesquisadora em gênero e políticas públicas da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia. Desde julho, a licença passou de 57 para 59 semanas. Desse total, 10 devem ser obrigatoriamente usufruídas pela mãe. As outras dez, pelo pai. “O restante [39 semanas] depende da decisão do pai e da mãe sobre como utilizar”, afirma a professora.