Mais pobres dependem mais de aposentados

A superdependência de pensões e aposentadorias cresce mais entre os mais pobres. De 2016 para 2017, o número de domicílios em que esses benefícios respondem por mais de 75% da renda avançou 22%, para quase 942 mil residências, entre as famílias da classe E, que ganham até R$ 625 por mês. Considerando todas as classes, a alta foi de 12%.

Esse aumento é maior para os mais pobres porque nesse grupo o desemprego e a informalidade também são maiores. E, normalmente, a renda com atividades informais é inferior a um salário mínimo, que é o parâmetro das aposentadorias e pensões. O metalúrgico aposentado Antonio Alves de Souza, por exemplo, que ajuda os três filhos desempregados, diz que a esposa faz bicos como faxineira. Antes da crise, ela chegava a ganhar cerca de R$1 mil por mês e hoje consegue tirar pouco mais de R$ 200. Isso fez crescer o peso da sua aposentadoria na renda da família.

A maior dependência do orçamento familiar das aposentadorias e pensões é confirmada pela pesquisa da consultoria Kantar Worldpanel, que visita 11,3 mil domicílios para saber de onde vem a renda que o brasileiro gasta com despesas básicas. Em 2014, as aposentadorias e pensões respondiam 17,8% da renda familiar e o salário por 62,8%.

No ano passado, a parcela das aposentadorias e pensões tinha subido para 21,1% enquanto a da renda de salário, recuado para 57%. “A fatia do salário na renda diminuiu ao longo da crise por causa do desemprego”, diz Maria Andréa Ferreira Murat, diretora da consultoria.

Nas casas em que há superdependência da renda dos aposentados, a taxa de desemprego é quatro vezes maior que a média nacional, segundo dados da LCA Consultores com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-Contínua), do IBGE. Em 2017, a taxa de desemprego dessa população estava em 52,3%, ante 12,6%, que é a média do País. Também o número de desempregados que vivem nessas residências é quase o dobro da média nacional.

“Se o filho ou o neto perde o emprego, o idoso se sente na obrigação de abrir os braços e acolher”, diz o médico e especialista em longevidade, Alexandre Kalache. “Quando ele pensa que vai aproveitar a vida, o ninho volta a ficar cheio de novo.”

Para Verônica e Miguel Victolo, de 94 e 92 anos, ter a filha única em casa novamente, mesmo que sem renda, não tem sido um problema. Carmem Victolo, de 58 anos, mora com os pais desde que se separou do marido e está desempregada há quatro anos. “Ela é o nosso anjo da guarda”, diz a mãe, que ganhou uma parceira para assistir a novelas. O pai também não se importa. “Minha obrigação de pai é cuidar dela. Vou sustentá-la até o fim da minha vida.”

Boa parte da renda mensal da família, de R$ 4,5 mil, é consumida pelo condomínio e pelos remédios do casal. Carmen usa com cautela o dinheiro da rescisão para pagar o carnê do INSS e garantir a aposentadoria. Ela tem procurado emprego nos últimos anos, mas as propostas que aparecem não correspondem ao seu perfil profissional ou não são suficientes para pagar um funcionário que pudesse cuidar dos pais. “Acreditava que voltaria logo ao trabalho, mas cada vez mais pessoas estavam sem emprego”, diz. Carmen tem duas graduações, em Rádio e TV e em Marketing, além de uma pós-graduação em Orçamento Público.

Na avaliação do economista Cosmo Donato, da LCA, o número de lares cuja renda é superdependente de aposentadorias e pensões deve continuar crescendo enquanto o desemprego se mantiver em níveis elevados e as vagas de trabalho abertas forem informais.

Inadimplência

A inadimplência dos idosos, a faixa etária que provavelmente reúne o maior número de aposentados, não é a mais elevada do País, mas foi a que mais cresceu nos últimos dois anos.

Em maio deste ano, 34,5% dos brasileiros com mais de 61 anos de idade estavam com contas atrasadas, segundo levantamento nacional da Serasa Experian. É um resultado menor do que a média da população brasileira, de 39,9%, porém maior do que o registrado para essa faixa etária dois anos atrás.

“O idoso não é mais inadimplente do que adulto maduro”, diz o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi. Entre os que têm entre 26 e 30 anos de idade, por exemplo, 45,3% estavam inadimplentes em maio deste ano.

No entanto, Rabi observa que nos dois últimos anos houve uma inversão no comportamento da inadimplência desses dois grupos. A fatia de adultos maduros inadimplentes caiu e a de idosos subiu. O calote dos idosos, que era 32,1% em maio de 2016, atingiu 34,5% no mesmo mês deste ano, uma alta de 2,4 pontos porcentuais. Já o calote dos adultos maduros entre 26 e 30 anos saiu de 47,5% em maio de 2016 para 45,3% em maio deste ano, um recuo de 2,2 pontos porcentuais.

Segundo Rabi, o número de idosos inadimplentes aumentou nesse período por causa da crise. “Muitos deles tomaram crédito para socorrer as famílias em dificuldades”, explica o economista.

O primeiro passo dos idosos aposentados é buscar o crédito consignado, aquele financiamento que tem juro menor do que a média de mercado, cujo desconto é feito diretamente do benefício da aposentadoria.

“Mas como a recessão está demorando a passar, os idosos continuam sendo pressionados pelos familiares a buscarem mais crédito”, diz Rabi. Ocorre que, pelas regras do crédito consignado o aposentado ou pensionista da Previdência pode comprometer, no máximo, 35% do seu benefício líquido, isto é, após o desconto de impostos, com a prestação.

Muitos, diz Rabi, tomam créditos consignados até o limite possível e, com isso, a renda encurta muito. A saída é buscar dinheiro para fechar as contas do mês nas linhas de crédito tradicionais em bancos e financeiras, onde as taxas de juros são de mercado. O resultado é que muitos acabam ficando inadimplentes.

O aposentado Gustavo Baade, de 82 anos, fez um empréstimo consignado para pagar dívidas. Mensalmente é descontado do seu benefício bruto de R$ 1.200 mais de R$ 100. “Com o desconto da prestação do consignado, a minha aposentadoria não chega a R$ 1 mil”, diz. Ele está pagando o empréstimo e diz não estar inadimplente. A idade, segundo ele, dificulta a aprovação de outros financiamentos.