Grupo avalia IPCC e pede mudanças
Fernanda Godoy Correspondente• NOVA YORK
Uma investigação independente conduzida a pedido do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, concluiu que o painel de estudos das mudanças climáticas precisa agir com transparência, reformar seu órgão diretor e aplicar com rigor políticas sobre conflitos de interesse, se quiser manter a credibilidade.
– Confiança é algo que você tem que ganhar novamente todo o tempo, não existe acúmulo de confiança – disse Harold Shapiro, reitor emérito da Universidade de Princeton e chefe do grupo de acadêmicos de prestígio internacional que produziu o relatório do ICA (InterAcademy Council).
O comitê recomendou que a presidência do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês) seja limitada a um mandato de seis anos, sem reeleição, botando pressão sobre o atual dirigente, o indiano Rajendra Pachauri, que está no poder desde 2002, com mandato até 2014. Sugeriu ainda que o comitê executivo incorpore pessoas de fora do IPCC ou até de fora da comunidade científica de estudos do clima.
Abordagem tendenciosa
A credibilidade do IPCC, ganhador do prêmio Nobel de 2007 junto com o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore, foi afetada em dois episódios recentes de grande repercussão. Um deles foi o “Climagate” – a revelação, em 2009, de trocas de e-mails em que cientistas do IPCC teriam combinado “esquentar” um relatório sobre mudanças climáticas. O outro foi a previsão de que as geleiras do Himalaia derreteriam até 2035, uma afirmação sem checagem científica que o IPCC relutou em desmentir. Em ambos os casos, investigações revelaram que não houve comprometimento das conclusões finais.
Os pesquisadores do ICA analisaram os métodos de trabalho do IPCC, sem entrar em uma avaliação detalhada de suas descobertas científicas. O grupo de 15 acadêmicos de renome, entre eles o brasileiro Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, afirma que o IPCC, criado em 1988, tem sido, de maneira geral, bem-sucedido e tem prestado um serviço de qualidade à sociedade.
Eles recomendam transparência, cautela e abertura, tanto ao captar quanto ao divulgar informações, devido ao escrutínio público crescente a que o tema das mudanças climáticas está submetido. O relatório sugere que o IPCC dê mais ênfase à incorporação de informações divergentes e que os autores evitem abordagens tendenciosas, nas quais peso exagerado é dado a um lado da discussão.
A transparência é o ponto central das recomendações.
Por exemplo, quando houver o uso da chamada “literatura cinzenta”, publicada sem passar pela revisão de um par, isso tem que ser indicado claramente. A revisão feita por um par é a alma da credibilidade da ciência. Usar estudos que não sigam esses parâmetros, segundo o ICA, é válido, mas tem que ser feito com o máximo cuidado.
Na avaliação de Shapiro, as diretrizes do IPCC quanto a esse ponto “são vagas e nem sempre têm sido seguidas”. Cautela, pediu Shapiro: – Um alto grau de confiança foi atribuído a afirmações sobre as quais há pouca evidência.
Transparência também foi a palavra-chave quando o ICA abordou conflitos de interesse. Para o grupo liderado por Shapiro, os postos de comando do IPCC não exigem exclusividade, mas é preciso que dirigentes e cientistas abram ao público todas as informações sobre empresas para as quais trabalham ou prestam consultoria.
Pachauri voltou a se defender de acusações de conflito de interesse, afirmando que é membro do conselho da estatal indiana de energia e de outras instituições sem fins lucrativos. Sobre consultorias que prestou aos bancos Crédit Suisse e Deutsche Bank, afirmou que faz parte de sua missão ajudar empresas a entender as mudanças climáticas. Uma auditoria da KPMG examinou as contas de Pachauri depois que o jornal conservador britânico “Sunday Telegraph” fez denúncias contra ele. Nada foi comprovado, e o jornal publicou uma retratação.
Diante da recomendação de mudanças como o fim da reeleição para seu posto, Pachauri tentou ser evasivo: – Essas recomendações são para o futuro.
Diante da insistência dos repórteres, no entanto, sobre se recebia as conclusões como uma sugestão para sua saída, Pachauri disse que é um “servidor do IPCC” e que fará o que os governos integrantes do painel decidirem.
O relatório será discutido por representantes dos 194 países que integram o IPCC em reunião plenária na Coreia do Sul em outubro.
Ontem, o francês Alain Robert, o “homemaranha”, botou ainda mais lenha na fogueira ao lembrar que, dentro de 100 meses, as concentrações de gases-estufa atingirão níveis irreversíveis.
Ele acabou sendo preso, após escalar um prédio de 150 metros em Sydney.