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Artigo: Momento histórico para futuro justo na previdência

Fonte: Valor Econômico

Em artigo de 2/12/16 no Valor Marcelo d’Agosto (“Reforma da Previdência… longe do justo”) fez várias simulações a partir das quais concluiu: “os números sugerem que a proposta da reforma da previdência é injusta com as empresas e trabalhadores do setor privado”.

A história brasileira teve vários momentos cruciais que cobravam decisões duras para a construção de um país justo. Um desses momentos foi o intenso debate da necessidade dos escravos receberem alguma indenização. Mesmo pequena, a maioria teria condições de organizar suas vidas após a abolição. Mesmo pequena, a maioria teria condições de organizar suas vidas após a abolição. Milhões de escravos, durante séculos, não puderam acumular patrimônio (educação formal, casebres, equipamentos, umas galinhas poedeiras, um pedacinho de terra, um pequeno plantel de animais) que seria o propulsor das condições iniciais para se organizar e suprir suas famílias. Triste erro histórico: sem indenização.

Isso instigou inúmeros problemas atuais: morros e regiões urbanas precárias, pais com pequena instrução formal que atrita a formação da próxima geração. Sem contar a não priorização da educação dos jovens descendentes e o enorme desprezo que a elite emitia contra os seus padrões padrões comportamentais. Ao invés de um projeto de correção dos erros e transformação para um novo futuro, realimentaram a clássica visão limitada do processo histórico, processo esse que moldou mentes e comportamentos.

Agora estamos noutro momento histórico crucial: reforma da previdência. Ao longo de décadas muitos erros foram cometidos, por exemplo: funcionários públicos se aposentando aos 47 anos de idade com salário integral após 25 anos de contribuição, com expectativa de vida de 80/90 anos (já conhecidas há décadas). Os leitores do Valor podem acessar outras injustiças no arquivo: clique aqui.

Uma saraivada de erros históricos do setor público não pode punir o setor privado. Deve ser totalmente tratado a parte. Cada qual com o seu déficit.

Recorrentemente, ouço “déficit da previdência”. Não. Déficit da previdência do setor público e déficit da previdência do setor privado. O setor privado terá que sofrer demais para que o setor público sofra de menos? Sofrimentos/injustiças virão para todos, mas na proporção justa.

Outro arquivo: clique aqui. Nele verão que a previdência pagou no ano de 2015 32,7 milhões de benefícios (22,6 milhões até 1 piso previdenciário; 5 milhões acima de 1 e até 2 pisos; 2,6 milhões acima de 2 pisos; 2,6 milhões acima de 2 e até 3 pisos e praticamente 2,6 milhões acima de 3 pisos). Pessoas com salários usados no artigo citado acima são poucos (menos de 8% dos benefícios pagos). Quem estiver acima de 3 pisos terá que usar mecanismos complementares de previdência (por exemplo, PGBL).

Supor que a previdência social possa ser “justa” para todos é uma hipótese ingênua. Sem contar que a previdência social é por repartição simples e não por capitalização, como o artigo simula. Se é para simular capitalização, a hipótese subjacente é que não haverá repartição intergeracional. Quem está recebendo agora receberá de quem? Os que contribuem começarão a investir suas contribuições em ativos de renda fixa? Repartição simples é um regime usado mundialmente em várias previdências públicas, que remuneram valores não muitos altos para todos. Além de repartição versus capitalização, há outros fenômenos. Muitos que recebem até 2 pisos previdenciários são: os mesmos que moram longe dos locais de trabalho; que utilizam transporte público precário; que tiveram pouco acesso ao sistema educacional ou quando tiveram, receberam uma educação precarizada; que tiveram pouco tempo de registro em carteira, etc. Ou seja, o artigo foca numa pequena parcela e não olha o todo e o processo, mesmo erro dos nossos antepassados do século XIX.

O debate da reforma da previdência precisa ser aprofundado com dados atuariais consistentes para que as gerações atuais entreguem o bastão para as próximas sem rombos e desvarios. Injustiças haverá. Por exemplo: um jovem que teve pouco acesso a educação de qualidade, começou a trabalhar de servente de pedreiro aos 16 anos, trabalhou até os 56 anos, já não tem a mesma força física e até já apresenta alguns problemas motores, a maior parte do tempo não contribuiu para a previdência. O que acontecerá com ele? Vai ter que trabalhar mais anos? Ou vai receber o mínimo e terá que continuar na labuta física paralela à aposentadoria? Injustiças previdenciárias estão casadas com injustiças educacionais, injustiças de saneamento básico, injustiças de acesso à informação, etc. O Brasil é um balaio de injustiças e visões apequenadas.

Se nós (elite decisória, técnica, acadêmica, intelectual, jornalística) não entendermos e estruturarmos soluções viáveis e justas para 206 milhões, colocaremos a bola na marca do pênalti para que demagogos bolivarianos golearem as instituições. Se priorizarmos os pequenos grupos em detrimento do todo, seremos os mesmos irresponsáveis do final do século XIX.

Claro, não podemos esquecer nosso viés latino festivo de curto prazo. Festejamos sediar Copa e Olimpíada, mesmo tendo pouco saneamento básico. Construímos Brasília numa época de baixíssimo investimento em educação. E tantos exemplos desanimadores.

Não vou nem citar outro desafio: o envelhecimento da população. Custos da saúde já aumentaram e aumentarão muito mais, numa sociedade com idosos que recebem aposentadorias de até 2 pisos. Outro árduo desafio aritmético.

O tema previdenciário não envolve, apenas, simulações de juros e capitalizações. Envolve a vida e as trajetórias de milhões de pessoas. Sem um olhar amplo e histórico não há debate sólido possível. Não estamos batendo pregos para pendurar quadros; a reforma da previdência é pilar, viga e coluna. Um bom arquiteto entende os volumes e os fluxos humanos de seus prédios. Queremos prédios sólidos e duradouros ou improvisações históricas que não suportam vento?

Luiz J. S. Araújo é professor de atuária da FEA/USP, especialista em modelagem e precificação de ativos e passivos.