Principal formulador da proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso, o economista Marcelo Caetano rebate as críticas de que o governo Temer vai “acabar” com o sistema público de aposentadorias no Brasil.
“O que estamos fazendo é desprivatizar a Previdência, para que alguns segmentos deixem de se apropriar de recursos públicos de forma privada. Uma aposentadoria de R$ 30 mil não pode ser Previdência Social”, diz Caetano, que ocupa o cargo de secretário de Previdência no Ministério da Fazenda.
Folha – Com a reforma, o governo obriga quem quiser se aposentar mais cedo ou com benefício mais alto a recorrer à previdência privada?
Marcelo Caetano – Circula uma crítica de que estamos privatizando a Previdência Social. Essa reforma não dá nenhum incentivo tributário e não altera o volume de captação de recursos da previdência privada.
Será apenas ampliada a previdência complementar para servidores que ganham além do teto, de R$ 5.189. O objetivo é que essa renda extra venha da poupança do próprio servidor.
Não entra na minha cabeça que uma aposentadoria de R$ 20 mil ou até R$ 30 mil seja considerada Previdência Social. Somente 5% dos trabalhadores privados brasileiros recebem salários superiores a R$ 5.189 ao mês.
O que estamos fazendo, na verdade, é desprivatizar a Previdência, para que alguns segmentos deixem de se apropriar de recursos públicos de forma privada. Se algum servidor quiser ganhar mais, deve poupar mais.
Não são apenas os servidores que terão que poupar mais, mas toda a população. O brasileiro se aposenta muito cedo?
O padrão global exige uma idade mínima para aposentadoria. Nas Américas, somente dois países não adotam esse critério: Brasil e Equador.
Só que no Equador é preciso trabalhar por no mínimo 40 anos -seja homem, seja mulher. Aqui são 35 anos para os homens e 30 anos para as mulheres.
Sem idade mínima, as mulheres, por exemplo, podem se aposentar aqui com 52 anos de idade e uma expectativa de sobrevida de 30 anos. O tempo de recebimento da aposentadoria é igual ou até maior que a contribuição. A conta não fecha.
A idade mínima de 65 anos já existe no Brasil. Grande parte dos trabalhadores de menor renda só se aposenta por idade, ou seja, com 65 anos e após 15 anos de contribuição.
A reforma eleva de 65 para 70 anos a idade mínima para que trabalhadores de baixa renda que nunca contribuíram para a Previdência tenham acesso a benefício assistencial. Os pobres estão sendo penalizados?
É preciso pensar na consistência de todo o regime previdenciário. Se você obtém um benefício sem contribuição, vai receber menos ou por menos tempo do aqueles que contribuíram, até para incentivar que mais pessoas participem do sistema.
Mas os muito pobres não contribuem porque em geral trabalham na informalidade. A Previdência não deveria contribuir para reduzir a desigualdade de renda no país?
O intuito da Previdência é repor renda. Não estou deixando de reconhecer a desigualdade no país, mas a Previdência Social não é uma política apropriada para resolver isso.
Hoje a mulher se aposenta antes do homem porque se encarrega da maior parte do serviço doméstico. A reforma da Previdência estabelece regras de transição diferentes, mas, depois disso, a idade mínima de aposentadoria será igual. O governo acredita que, em 15 ou 20 anos, as jornadas de trabalho de homens e mulheres serão iguais?
A Previdência não vai resolver o problema de gênero no Brasil nem nenhuma outra forma de discriminação. A mulher se aposentar antes que o homem é apenas um paliativo. O custo da mulher para a Previdência Social é maior que o do homem porque ela vive por mais tempo.
Do ponto de vista previdenciário, uma idade igual para se aposentar já é um subsídio para a mulher, porque o benefício será pago por mais tempo.
Além disso, o diferencial salarial entre homens e mulheres ainda é alto, mas vem diminuindo e o menor intervalo está nas faixas etárias mais jovens.
Existe uma tendência de redução dessas diferenças. A prática internacional de aposentadoria é igualar ou reduzir o diferencial de idade entre homens e mulheres.
As aposentadorias dos militares não são atingidas pela reforma, mas o governo disse que vai elaborar um projeto de lei sobre esse assunto. Quando isso deve ocorrer?
Não há prazo.
Os militares terão um sistema similar aos dos demais brasileiros, com idade mínima e maior tempo de contribuição?
Não tenho essa definição. Essa discussão ainda está em aberto.
Os políticos poderão definir suas regras de transição. Há risco de eles legislarem em causa própria?
O Brasil é uma Federação, e os Estados e os municípios estabeleceram regras próprias para a aposentadoria dos seus políticos.
Ainda que exista uma regra permanente -todos os políticos estarão no INSS a partir da publicação da emenda-, estou partindo de muitos pontos iniciais distintos.
Não é possível estabelecer as mesmas regras de transição todos. Essa engenharia é impossível.
A tramitação da reforma da promete ser complicada no Congresso. Quais pontos são inegociáveis para o governo?
Essa é uma pergunta que sempre me fazem. Por exemplo, tem que ter uma idade mínima de aposentadoria. A Previdência, no entanto, é uma grande engrenagem.
Precisamos compatibilizar fórmula de acesso, de cálculo, correção do benefício, pensões por morte. É como um quebra-cabeça. Se mexer numa peça, altera a outra.
Mas vivemos num ambiente democrático. Não é uma ditadura tecnocrática em que eu e minha equipe decidimos o que é melhor para o país.
O Executivo fez uma proposta baseada no que avalia que é tecnicamente melhor e agora o Legislativo fará uma discussão como em qualquer país democrático.
Se a reforma for aprovada como está, resolverá definitivamente o rombo da Previdência no Brasil?
No longíssimo prazo, não sabemos o que vai acontecer, mas é possível ter uma estabilidade por 30 ou 40 anos. Se os deputados abrirem mão de alguns pontos ou se aprovarem uma contrarreforma daqui há alguns anos, tudo pode mudar. Fizemos alguns mecanismos para aliviar a imprevisibilidade, como ajustar a idade mínima de aposentadoria pela expectativa de vida da população [elevando-a de 65 para 67 anos até 2060]. Esse ponto é muito importante que seja mantido.
Se a reforma naufragar, há risco de colapso da Previdência?
Temos um deficit crescente. Em 2015, foi de R$ 85 bilhões e pode atingir R$ 180 bilhões no próximo ano.
Essa variação sofre um impacto do ciclo econômico, mas tem uma questão estrutural também, que é o envelhecimento da população.
Alguns Estados já estão atrasando e parcelando o pagamento dos aposentados. Isso mostra que a previdência não é mais um problema do futuro, mas do presente.