Na crise, 13º tem destino certo: contas em atraso

O Globo

Especialistas recomendam pagar dívidas com juros maiores

Até a próxima segunda-feira, mais de 84 milhões de trabalhadores brasileiros devem receber a primeira parcela do décimo terceiro salário. O dinheiro extra — que deve injetar R$ 173 bilhões na economia quando somado com a segunda parcela de dezembro, segundo o Dieese — chegará em um momento de famílias endividadas, juros altos e ameaça de desemprego. Por isso, especialistas aconselham resistir às tentações de consumo natalino e aproveitar a renda adicional para se livrar de dívidas e investir em renda fixa, que mesclam segurança e retorno atraente.

Os economistas são unânimes ao apontar as dívidas de juros mais elevados como destino prioritário do décimo terceiro. A mais cara é a do cartão de crédito, cujos juros estão no maior nível desde 1996, segundo levantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac): 368,27% ao ano. Depois vem o cheque especial, com 226,39% ao ano.

Achatada por uma inflação que deve superar 10% no ano, a população se vê obrigada a seguir o conselho dos especialistas. De acordo com pesquisa da Anefac realizada em outubro com 1.037 pessoas, 74% dos brasileiros usarão o décimo terceiro para pagar dívidas. No ano passado, foram 68%.
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— Débitos que levam a punições, como corte de água ou luz, também entram na categoria prioritária — aconselha o diretor de Pesquisas Econômicas da associação, Miguel Ribeiro de Oliveira. — Se a dívida for maior que o próprio abono de fim de ano, deve-se liquidar o máximo possível e renegociar o restante. Outra opção é trocar a dívida por uma com juros mais civilizados, como o empréstimo pessoal, por exemplo.

Os credores também aproveitam a chegada do décimo terceiro para renegociar com os consumidores. Sessenta e quatro companhias, incluindo os maiores bancos de varejo e financeiras, participam até o próximo sábado de feirão on-line organizado pela Serasa para renegociação de débitos em atraso. A organizadora viu aumento de 43% na demanda em relação ao feirão do ano passado, promovendo 600 negociações por minuto. A Serasa calcula que já são 57,2 milhões os brasileiros inadimplentes, ou 40% da população adulta.

— Este é um momento interessante para renegociar. Estamos em crise, com juros crescendo, então ninguém deve virar o ano com dívidas — afirma Karla Longo, da Serasa.

Karla recomenda que o devedor faça uma lista de todas as dívidas inadimplentes e calcule exatamente quanto está disposto a separar do salário e do décimo terceiro para fazer uma proposta. Se o consumidor deixar de cumprir o acordo no futuro, voltar à mesa de negociação ficará mais difícil.

Após se livrar de dívidas, Mauro Calil, especialista em investimentos do banco Ourinvest, recomenda se preparar para as tradicionais despesas extras (e pesadas) de começo de ano. As principais delas são IPVA, IPTU e material escolar.

A promotora de vendas Sandra Ferreira, de 49 anos, vai dedicar todo o abono de Natal com as dívidas atrasadas e com despesas de começo de ano.

— Tenho parcelas de cartão de crédito, compras com crediário e, principalmente, a renovação da matrícula escolar do meu neto. Dessa vez, não vai sobrar nada — conta a moradora do Flamengo.

Também afetado pela crise, o argentino radicado no Brasil Milko Montellano adiou planos de viagem, cortou presentes de fim de ano e usará o salário extra para quitar débitos.

— Vamos mudar os presentes de fim de ano para usar o dinheiro com as contas em atraso. Tenho duas parcelas do carro e algumas contas do meu escritório. Tudo subiu muito, como a mensalidade escolar — reclama. — Tenho dois filhos. Além de IPVA e IPTU, ainda tenho que pagar material e matrículas escolares, que estão um horror.

Para quem ainda conseguir poupar uma parte do décimo terceiro depois dessas prioridades, o ideal é investir. Segundo o levantamento da Anefac, apenas 2% das pessoas farão isso. Essa minoria deve optar por aplicações conservadoras, diz Sandra Blanco, da gestora Órama.

Ela recomenda títulos públicos e privados. A curto prazo, indica o Tesouro Selic, papel do governo que paga exatamente a taxa básica de juros (14,25% ao ano hoje). Há dois deles à venda, um vencendo em 2017 e outro em 2021. O valor mínimo para aplicação em cada um é de R$ 73, representando 1% do valor total do papel. Sandra ressalva que, embora o Tesouro Selic ofereça a possibilidade de resgate antecipado sem perdas, o investidor deve tentar mantê-lo por pelo menos dois anos para pagar alíquota mínima de Imposto de Renda (15%).

— Para quem busca um prazo maior, acredito que já é o momento para investir em títulos prefixados, que se apreciam com a queda dos juros. O BC não tem muito espaço para seguir elevando a Selic — explica.

Assim como Sandra, Calil cita o CDB, emitido por bancos, como opção interessante. Mas o especialista da Ourinvest esclarece que a aplicação só vale a pena se pagar pelo menos 90% do CDI e tiver liquidez diária (permita a venda a qualquer momento).