Redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais consta da Agenda Prioritária da Classe Trabalhadora desenvolvida pelas centrais sindicais brasileiras
Estudo mostra que expedientes intensos prejudicam o rendimento dos profissionais
Todos os anos, entre maio e setembro, todos os 54 funcionários da Basecamp, uma empresa de aplicativos sediada em Chicago, fazem uma semana de trabalho mais curta, de apenas quatro dias – um total de 32 horas. No restante do ano, eles seguem a semana tradicional de cinco dias.
“Isso é tempo suficiente para se fazer um excelente trabalho. É tudo o que esperamos e tudo o que queremos das pessoas”, afirma Jason Fried, cofundador da empresa. “Trabalhar 50, 60 ou mais de 70 horas é desnecessário. Na verdade, se você precisa trabalhar 50, 60 ou mais de 70 horas por semana, há um problema de administração.”
A carga de trabalho da companhia no verão precisa se adequar às horas reduzidas, insiste Fried, caso contrário os benefícios de uma semana de trabalho mais curta – recuperar-se do trabalho, passar um tempo com a família e buscar outros interesses – seriam anulados.
Sua filosofia condiz com uma nova pesquisa que constatou que não são apenas as longas horas de trabalho que prejudicam a saúde mental e física dos funcionários. É também a intensidade do trabalho – prazos apertados e ritmo implacável. Além disso, o estudo sugere que o trabalho intenso prejudica as perspectivas de carreira. Isso porque trabalhar demais e com muita intensidade é contraproducente, e reduz a qualidade do que é produzido.
O estudo, que está prestes a ser publicado na revista acadêmica “Industrial and Labor Relations Review”, conclui que o nível de intensidade que aplicamos ao trabalho que fazemos (definido como nível de esforço prestado por unidade de tempo de trabalho), no geral é “um indicador mais forte de resultados desfavoráveis do que as horas extras”.
Os pesquisadores, Argyro Avgoustaki, professor assistente de gestão na ESCP Europe, e Hans Frankort, professor de estratégia na Cass Business School, comparou pessoas de empregos e níveis de educação similares e constatou que, quando elas trabalham de maneira intensa por períodos prolongados, têm uma probabilidade maior de sofrer com problemas de saúde e de ter perspectivas de carreira piores. Isso inclui impacto na satisfação, segurança e promoções.
Os autores afirmam querer que os funcionários entendam as limitações do esforço de trabalho excessivo, que os patrões sejam ponderados sempre que possível e que os formuladores de políticas públicas desenvolvam estratégias que ajudem a limitar as consequências adversas do trabalho intenso.
Frankort diz que a pesquisa sugere que os benefícios à carreira resultantes do esforço excessivo – trabalhar mais horas ou com mais intensidade do que o normal – podem nunca se materializar. “Portanto, pode ser um erro aceitar um bem-estar reduzido na esperança de melhorar as perspectivas de carreira no futuro”, acrescenta ele.
Os pesquisadores basearam suas conclusões em dados de uma amostra aleatória de 51.895 trabalhadores de 36 países europeus. A conclusão dos autores é que trabalhadores e governos deveriam tentar reduzir a intensidade do trabalho, em vez de tentar controlar o número excessivo de horas de trabalho. “Os patrões e formuladores de políticas se concentram muito no último ponto, mas comparado às horas extras, a intensidade do trabalho prognostica reduções muito maiores no bem-estar e nos resultados relacionados à carreira”, afirma Frankort.
Claramente há uma ligação entre a carga de trabalho e as horas. Mas os pesquisadores afirmam que dar aos funcionários uma escolha sobre onde e como eles vão trabalhar pode aliviar a pressão, permitindo a eles escolher a ordem, o método e o ritmo de trabalho, além de determinar as horas e as pausas.
Governos vêm reconhecendo os períodos do trabalho excessivo e alguns países, especialmente a França, estão concedendo aos trabalhadores o “direito de se desconectar” no fim do dia de trabalho. A política vem sendo adotada por alguns empregadores, como a Volkswagen. Alguns grandes bancos, como o Goldman Sachs e o Bank of America Merrill Lynch, vêm tentando reduzir as horas de trabalho.
Almuth McDowall, professora convidada de psicologia organizacional da City University, concorda que os formuladores de políticas e empregadores se concentram demais em tentar resolver a questão da cultura do excesso de horas trabalhadas. Mas ela observa que é difícil medir a intensidade do trabalho. “Ela é sempre introduzida silenciosamente às pessoas, porque o que costuma acontecer na prática é as pessoas serem solicitadas a fazer tarefas extras sem que isso aconteça de maneira explícita ou que fique escrito em algum lugar.”
Uma pesquisa anterior sugere que o trabalho excessivo afeta a produtividade, deixando os trabalhadores mais propensos a cometer erros, sentir mais ansiedade e se esgotar. Alexandra Michel, da Universidade da Pensilvânia, estudou banqueiros por nove anos e constatou que, após três anos de trabalho intensivo demais, seus organismos começam a se “vingar” com o surgimento de tiques nervosos, como os atos de roer unhas e enrolar os cabelos com os dedos, além da insônia.
Uma explicação para a cultura do trabalho em excesso é que ele dá resultados – uma crença profundamente enraizada. Em artigo publicado na “Harvard Business Review”, Erin Reid, professor associado da DeGroote School of Business da Universidade McMaster e Lakshmi Ramarajan, professor assistente da Harvard Business School, relatam como uma empresa premiou uma pessoa que havia realizado o maior número de voos a trabalho em um ano.
“Valorizar o tempo de trabalho em vez do produto do trabalho – algo que motiva as pessoas a ludibriar outras sobre a quantidade de horas que elas estão trabalhando – é uma armadilha em que é fácil cair”, concluíram eles, “especialmente para profissionais cujo trabalho baseado no conhecimento é difícil de avaliar.”
Mas nem todos estão convencidos de que cargas de trabalho mais leves são a abordagem certa. Marc Effron, autor de “Eight Steps to High Performance” (“Oito Passos para o Alto Desempenho”), acredita que os profissionais de alto desempenho precisam sacrificar a família e o lazer e se comprometer com o trabalho intenso.
“Uma grande parte da argumentação sobre as horas de trabalho parece vir de indivíduos que tentam impor suas crenças pessoais aos outros. Ouço isso verbalizado como: ‘Ninguém deveria trabalhar tanto. As pessoas precisam passar um tempo com suas famílias’. Esses indivíduos não estão dispostos ou não são capazes de desempenhar nesses níveis, e portanto querem derrubar aqueles que podem e querem.”
Financial Times