“Todo mundo deve ser feliz.” A frase que, no primeiro momento, soa clichê, foi dita por Fábio Maurício Moreno, 49 anos, deficiente auditivo que mora em Santo André com a mulher e os dois filhos e trabalha há pouco mais de um mês em fábrica de zíperes e aviamentos. Sempre de bom humor e com sorriso leve, conquistou a simpatia de todos os setores da empresa.
“Gratidão” é a palavra que faz parte de seu dia a dia, que sempre diz “obrigado” juntando as mãos como quem reza pela nova oportunidade no mercado de trabalho – após dez anos em multinacional alimentícia, ele havia sido demitido em outubro, em ação para reduzir gastos.
Moreno é um dos 9.581 trabalhadores com algum tipo de deficiência do Grande ABC conforme dados da última Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) disponível, de 2016. Significa que 1,31% dos 731.238 profissionais com carteira assinada são PCDs (Pessoas Com Deficiência).
Esse percentual supera o do País, em que, segundo a Rais, 0,9% dos trabalhadores têm deficiência. São 418 mil pessoas, num universo de 46 milhões.
“É preciso abrir portas e mostrar que as pessoas com deficiência são capazes. Um surdo, por exemplo, tem como única limitação o fato de não poder atender o telefone, mas pode desenvolver outras tarefas normalmente”, assegura Vilma Roberto, coordenadora da ITS Brasil (Instituto de Tecnologia Social), entidade que recoloca pessoas com deficiência no mercado de trabalho por meio da metodologia de emprego apoiado.
Sequela do sarampo deixou Moreno surdo aos 5 anos. Após a demissão da linha de produção da empresa alimentícia, ele fez ‘bicos’ como pedreiro e jardineiro, ao mesmo tempo em que distribuía currículos. “A falta de comunicação é um dos principais problemas. Em um dos lugares, disseram para eu aguardar o contato, mas nunca retornaram”, conta ele, que não tem vergonha de tirar as dúvidas com os colegas e, sempre que pode, não nega ajuda a quem precisa. Sua encarregada, Renata Aparecida de Jesus, garante que ele é um dos funcionários mais concentrados e atentos às normas de segurança da empresa. Moreno ingressou na Coats Corrente, no Ipiranga, após indicação de um amigo, por meio do ITS Brasil.
É importante destacar que a Lei de Cotas (8.213/1991) obriga que empresas com 100 ou mais funcionários possuam entre 3% e 5% das vagas reservadas para PCDs.
PROCEDIMENTO – “O primeiro passo para conseguir colocação é traçar os perfis pessoal, profissional e vocacional da pessoa e, a partir dos resultados, buscamos vagas compatíveis nas empresas parceiras”, explica Vilma, que atua na região.
Na etapa seguinte, o instituto apresenta o candidato à companhia, onde é feita entrevista. “Todo o processo é acompanhado pelo TEA (Técnico de Emprego Apoiado), que auxilia ao acrescentar informações pertinentes, pois, em muitos casos, a pessoa com deficiência não sabe se valorizar porque já está acostumada a ser diminuída pela sociedade”, salienta Vilma. Se a firma aprovar, a pessoa é contratada formalmente. “O ITS não capacita para o mercado, e sim, fornece suporte. O TEA acompanha a pessoa pelo tempo necessário ao local de trabalho até que ela se adeque ao ambiente e à função.”
No caso de Moreno, contratado como auxiliar de movimentações, a integração levou cerca de quatro dias. Segundo ele, o suporte é importante, dado que, nos empregos anteriores, a incorporação no ambiente de trabalho foi mais demorada, principalmente por conta da dificuldade na comunicação, ainda que ele faça leitura labial e oralize suas falas.
“No início, a equipe estava receosa porque nunca tínhamos lidado com deficiente auditivo no setor. Mas está dando certo e hoje tudo mudou por causa dele”, lembra Renata. “O Fábio (Moreno) alegra o ambiente, além de incentivar e motivar os demais.”
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as sete cidades possuem 2,7 milhões de habitantes e, destes, 28 mil (10,37%) são PCDs.
Ajuda é gratuita a candidatos e firmas
O projeto do ITS Brasil (Instituto de Tecnologia Social), que ajuda pessoas com deficiência a se recolocar no mercado de trabalho, está atuando no Grande ABC desde janeiro. Até o momento, cerca de 30 pessoas foram apoiadas em, aproximadamente, 70 empresas parceiras no Estado.
Vale ressaltar que o auxílio é gratuito, e os interessados podem procurar o instituto pelo site http://itsbrasil.org.br/. Do mesmo modo, companhias interessadas em parcerias podem agendar reunião com o ITS Brasil com o objetivo de esclarecer pontos da colaboração.
“Outras empresas nos ajudam a recrutar pessoas com deficiência, mas, neste caso, a vantagem é o suporte após a contratação, pois facilita a integração”, afirma Amanda Maciel Lino, auxiliar de RH (Recursos Humanos) da Coats Corrente.
O ITS Brasil opera junto ao Pronas/PcD (Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência) – programa desenvolvido para incentivar ações de entidades sem fins lucrativos – do Ministério da Saúde.
Ainda que não tenha estabelecido meta de atendimento na região, Vilma Roberto, coordenadora do ITS Brasil, está otimista. “O projeto começa devagar, mas vai abrindo portas. As empresas do Grande ABC ainda estão um pouco resistentes por causa da falta de informação, mas estamos trabalhando no processo de conscientização.”