Benefícios que serão revistos por falta de perícia foram concedidos judicialmente
BRASÍLIA – Dos 530.157 brasileiros com auxílio-doença que passarão pelo pente-fino do governo, por não terem feito perícia no INSS há mais de dois anos, 99,2% (525.897) obtiveram o benefício por decisão da Justiça. Em 97% dos casos, o auxílio começou a ser pago de 2003 em diante. O alto nível de judicialização e a concentração das concessões sob suspeita nos últimos 14 anos são algumas das constatações de um levantamento inédito, obtido pelo GLOBO, feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA).
O objetivo do estudo foi detalhar o perfil dos beneficiários que serão convocados a partir de setembro, pelo cronograma que vem sendo montado, para que o INSS fiscalize se a condição incapacitante para o trabalho permanece. Diferentemente do verificado na parcela de auxílios-doença que estão no alvo do governo, entre os 285,7 mil benefícios que ficaram fora do pente-fino, por terem perícias realizadas nos dois últimos anos, somente 18,2% têm origem judicial. A maior parte (81,8%) foi concedida por via administrativa.
— Dentro de uma ordem natural, deveriam ter se acumulado sem perícia tanto os concedidos administrativamente quanto os judiciais. Mas não foi o que ocorreu. Então, concluímos que, em algum momento, o INSS deixou de fazer as revisões nos auxílios-doença de origem judicial, que representam mais de 99% do estoque que agora vamos rever — afirma Alberto Beltrame, secretário-executivo do MDSA.
Segundo ele, não foi possível identificar, ao menos por enquanto, o que motivou o INSS a negligenciar a revisão dos benefícios concedidos por decisão da Justiça. As normas internas do órgão, de acordo com Beltrame, estabelecem que a fiscalização do auxílio-doença ocorra a cada seis meses, independentemente se a origem é administrativa ou judicial.
BENEFÍCIOS REMONTAM A 1970
Entre os benefícios por decisão judicial que agora passarão por revisão, alguns tiveram início ainda na década de 1970. Mas o gráfico que mapeou o ano da concessão dos auxílios sobe, consideravelmente, a partir dos anos 2000 (1.357 benefícios), para chegar ao topo em 2013 (76.800). O fato de a maior parte ter sido concedida sob a administração petista não significa uma corrida maior aos tribunais ou uma fragilidade nas regras de concessão, diz Beltrame:
— Não é que a grande concessão ou uma judicialização acima do normal tenham acontecido nesses últimos anos. O que ocorreu nesse período foi a não revisão dos benefícios de origem judicial. O INSS não fez o dever de casa, ainda não sabemos o porquê.
São Paulo tem o maior estoque de auxílios-doença na mira do governo: 99.523, dos quais 99,4% foram concedidos pela Justiça. Rio Grande do Sul vem em segundo, com 87.539, sendo que 99,8% são resultado de determinação judicial. É o caso de 98,5% dos 40.733 benefícios no Rio de Janeiro, na terceira colocação em números absolutos, que passarão por perícia. O índice elevado da judicialização, superior a 98%, repete-se em todas os estados e no DF.
Se analisados os motivos que levaram a Justiça a conceder o auxílio-doença, o Rio de Janeiro se diferencia dos demais estados no topo do ranking. Episódios depressivos não fazem parte das enfermidades incapacitantes mais declaradas, ao contrário do que se vê em São Paulo e Rio Grande do Sul. Outro males, que não acometem com tanta frequência os gaúchos e paulistas, levou a muitos concessões do benefício no Rio, como a sinovite e tenossinovite (uma espécie de inflamação em articulações e tendões) e a hipertensão arterial essencial.
A partir de setembro, segundo o calendário traçado pelo governo, os primeiros convocados para a revisão do auxílio-doença receberão um comunicado via Correios. O envio das cartas registradas custará ao Tesouro R$ 5,8 milhões. Depois de receber a correspondência, o segurado deverá entrar em contato com a central 135 para agendar a perícia no INSS. Caso não seja encontrado, haverá uma publicação em edital, em jornal de grande circulação. E só então o beneficiário que não comparecer terá o auxílio cassado.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ
Se tudo correr como o previsto, o prazo para rever os 530 mil auxílios-doença poderá ser de cinco meses e meio. Mas esse cronograma dependerá da adesão dos médicos do INSS à força-tarefa montada pelo governo, que está oferecendo R$ 40 aos profissionais por perícia realizada. O prazo para se cadastrar terminou ontem. Até o fechamento da edição, não havia balanço sobre quantos peritos aderiram à iniciativa. O governo espera que 80% dos 2,5 mil médicos atuantes nas agências participem.
Na medida em que as agências forem terminando as perícias do auxílio-doença, começarão a revisão de 1,1 milhão aposentadorias por invalidez, que também entraram na inspeção anunciada pelo governo. A convocação dos segurados será semelhante. O governo já fechou contrato com os Correios para envio das cartas aos beneficiários, ao custo de R$ 12,9 milhões.