Qualidade do transporte e preço baixo elevam produção:

Analistas apontam esses dois desafios que resultariam no aumento da produtividade e ganhos ao comércio e indústria.

Brasil Econômico
fernanda nunes e andre pires

“A grande transformação logística, no entanto, ocorrerá quando a população optar, de fato, por trabalhar em casa, em vez de se deslocar até a empresa”

Se o conjunto de trabalhadores brasileiros pudesse converter a hora gasta no trânsito em salário, eles contarian com, pelo menos, mais R$ 1,77 bilhão de ganho a cada mês. O cálculo é conservador, pois considera exclusivamente a população que gasta uma hora no trânsito, no trajeto entre a casa e a empresa – 14,37 milhões de brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – e estima ainda que a hora de trabalho desse contingente de empregados vale o mínimo permitido por lei, R$ 3,08.

Para grande parcela da população, contudo, essa não é a realidade. Em todo o Brasil, 5,92 milhões de pessoas gastam de uma a duas horas para chegar no emprego. Apenas em São Paulo, são 1,6 milhão. “A perda de tempo no deslocamento até o trabalho é refletida também em perda de produtividade na economia”, ressaltou o professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Leonardo Mesentier.

Os problemas de mobilidade urbana estão entre os entraves à produtividade, indicador que vem mostrando taxas de crescimento cada vez menores ano a ano desde o início da crise econômica internacional, de acordo com o especialista em mercado de trabalho do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Fernando Barbosa.

“E, sem produtividade, a economia não cresce”, afirmou. “A partir de 2010, a produtividade do trabalho mostrou certa estagnação. Nesse mesmo período, cresceu a taxa de inflação no Brasil, associada a um baixo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto)”, destacou Barbosa, complementando que a produtividade é o motor que impulsiona a economia.

Além de perder tempo que poderia ser aplicado no trabalho, o empregado que gasta muitas horas com deslocamento tem mais dificuldade para estudar e se qualificar, disse Barbosa. “Entre minha casa e a universidade, onde curso pós-graduação, perco duas horas e meia no engarrafamento. Não fosse isso, gastaria meia hora. A solução é ficar mais tempo na faculdade e esperar o trânsito melhorar. Em compensação, perco tempo com os filhos”, contou a socióloga Caroline Bordolo.

No comércio, uma das soluções adotadas pelo Senac, responsável por treinamento do setor, tem sido promover cursos no próprio local de trabalho e, com isso evitar o deslocamento do trabalhador para estudar, segundo o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Bruno Fernandes. “O empregado do comércio leva de três a quatro horas até o trabalho. Já chega cansado, com pouca disposição”, afirmou.

Leonardo Mesentier ressalta ainda outros prejuízos à economia decorrentes da má qualidade do transporte nas grandes cidades. As tarifas altas inibem a circulação e, com isso, “a população deixa de desfrutar o que a metrópole tem a oferecer. Deixa de consumir”. Ele destacou também que o custo do transporte mais elevado repercute na valorização dos imóveis próximos aos centros empresariais e comerciais. “Tarifas altas, aluguel caro”, disse.

Sérgio Besserman, economista da PUC-Rio, enumera ao menos quatro prejuízos por conta das dificuldades de mobilidade urbana – perda de produtividade, mais gastos com saúde decorrente do aumento da poluição, piora da qualificação dos trabalhadores e mais geração de gases de efeito estufa.

“Não tenho dúvida de que o investimento em infraestrutura de transporte coletivo traria mais benefícios à economia do que o esforço fiscal que tem sido feito pelo governo para incentivar o setor automotivo e o aumento da frota de carros particulares”, afirmou Besserman. Para ele, a construção de novas linhas de metrô nas grandes cidades e de corredores exclusivos para ônibus movimentaria mais a economia do que o aumento da compra de veículos gera de ganhos na cadeia produtiva.

A grande transformação logística, no entanto, ocorrerá quando a população optar, de fato, por trabalhar em casa, em vez de se deslocar até a empresa, diz Besserman. “A Internet ainda não produziu mudanças significativas no mercado de trabalho. Vamos assistir grandes mudanças, com uma mobilidade mais inteligente”, prevê o economista.

Comércio e indústria poderiam ser beneficiados

A ligação direta entre a qualidade do transporte público na produtividade da economia foi identificada em um estudo da Universidade de São Paulo. Analisando o cenário atual, os pesquisadores calcularam que a cidade perderia R$ 19 bilhões de produtividade caso não existisse o metrô. Considerado ineficaz e pequeno para o tamanho da capital, a adequação do transporte público significaria um incremento na economia inimaginável atualmente.

“Teríamos que ver o projeto de ampliação e como seria feito para ter como mensurar, mas é certo que melhoraria. Se a estrutura de transporte aumentar, o mercado potencial aumenta, pois você vai estar mais próximo de seu fornecedor e consumidor”, destaca o pesquisador Renato Vieira, da USP.

Um dos setores afetados pela ineficiência do transporte público das grandes metrópoles é a indústria. “A produtividade do funcionário pode ser relacionado com seu deslocamento. Quanto maior o tempo para chegar, o trabalhador falta mais e fica mais cansado, afetando a produtividade”, complementa Vieira.

Outro segmento que tem seu desempenho fortemente relacionado com o transporte público é o comércio. Não só pelos fatores dos trabalhadores, como acontece na indústria, mas pela mobilidade do mercado consumidor. “A mobilidade é essencial. O trânsito e o transporte público ajudam a economia como um todo. O tempo que você gasta no trânsito ou dentro de um ônibus reduz a hora de lazer. E uma das formas de lazer é fazer compras, o que movimenta o comércio”, salienta Marcelo Solimeo, economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo.

A prova está na tendência de instalação de shoppings próximos às estações de metrô da capital. “Com o transporte melhor, as vendas são maiores. Não há dúvida. Regiões com facilidade do metrô permitem uma venda melhor nos shoppings. Antes achavam que ali seria uma passagem das pessoas e não de fixação dos consumidores, mas o cenário é outro. As pessoas chegam com facilidade”, afirma Luis Augusto Ildefonso, diretor de relações institucionais da Alshop.

Outra mudança sentida pelos varejistas é a queda no consumo da população quando acontece o aumento do transporte público. Principalmente em regiões com público de renda menor, o impacto é grande. “O bolso do consumidor é um só. Como ele gasta necessariamente em uma coisa, não gasta em outra. Se você pagar mais pelo ônibus, sobra menos para comprar, ainda mais se for um item que não é essencial”, complementa Solimeo.