Reação de juízes trabalhistas cria insegurança que pode durar anos

Aprovada em menos de cinco meses pelo Congresso, a reforma trabalhista proposta pelo presidente Michel Temer começará agora a enfrentar um duro teste, em que as novas normas serão submetidas ao crivo da Justiça do Trabalho.

Por Ricardo Balthazar

Nas últimas semanas, juízes, procuradores e advogados fizeram inúmeras críticas à nova lei, apontando falhas e incoerências que deverão alimentar controvérsias que os tribunais levarão anos para pacificar.

Em outubro, centenas de juízes reunidos num congresso da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) aprovaram 125 teses sobre dispositivos da reforma e declararam vários deles contrários a princípios estabelecidos pela Constituição.

Embora ninguém seja obrigado a seguir as teses do congresso, elas foram recebidas no meio jurídico como um alerta sobre a disposição dos juízes trabalhistas e um sinal de que asempresas precisarão agir com cautela ao adotar as novas normas.

“Um dos objetivos da reforma era trazer mais segurança, mas o posicionamento dos juízes cria insegurança e poderá até aumentar o volume de ações trabalhistas num primeiro momento”, afirma a advogada Letícia Ribeiro, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe.

Uma das teses dos juízes põe em xeque um dos pilares da reforma, a consagração do princípio de que as condições acertadas entre patrões e empregados devem prevalecer sobre a legislação em várias situações.

Na prática, esse princípio pode levar os juízes a rejeitar acordos que considerem desfavoráveis aos trabalhadores. A nova lei estabelece que direitos como salário mínimo, férias anuais, 13º salário e FGTS não podem ser negociados.A nova lei permite que isso ocorra em negociações sobre jornada de trabalho, banco de horas, intervalo para almoço e outros assuntos. Mas os juízes dizem que a Constituição garante que normas mais benéficas sejam aplicadas sempre que houver desentendimento.

EMBATE

A reforma deverá reacender velhas controvérsias. Uma súmula aprovada pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) em 1993 fixou o entendimento de que as empresas não poderiam terceirizar sua atividade principal, mas a nova lei permite que isso ocorra. Agora, a súmula terá que ser revisada.

O presidente do TST, Ives Gandra da Silva Martins Filho, um entusiasta da reforma, pretende iniciar logo a revisão das súmulas afetadas pelas novas normas, mas o processo pode ser demorado por causa das divergências no tribunal, que é composto por 27 ministros.

Se a discussão seguir o ritmo habitual da Justiça trabalhista, algumas questões poderão demorar mais de uma década para serem pacificadas, dizem advogados.”Haverá forte embate interno”, diz o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano. “A reforma foi aprovada sem uma discussão ampla, e por isso é natural que os problemas sejam corrigidos no Judiciário agora.”

“O melhor jeito de superar a insegurança jurídica será negociar de boa-fé acordos que pressuponham vantagens para as duas partes, empresas e trabalhadores”, afirma o advogado Iraci Borges, que representa o Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba. “Sem isso, as empresas continuarão no escuro.”

Colaborou TAÍS HIRATA, de São Paulo