Reforma trabalhista: sem MP, Supremo vai julgar se trabalhador paga custas de ação

Procuradoria argumenta que medida dificulta acesso de empregados à Justiça

GERALDA DOCA

 

O fim da validade da MP 808 representa insegurança jurídica para o mercado de trabalho. O julgamento no STF foi marcado pela presidente da Corte, Carmén Lúcia, e é aguardado com expectativa por ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que decidirá entre o fim de maio e início de junho se a nova legislação se aplica aos contratos e processos anteriores a 11 de novembro de 2017, quando as mudanças na CLT entraram em vigor.

Na visão de alguns ministros do TST, o chamado honorário de sucumbência (quando o tralhador perde a causa e tem de arcar com as custas processuais) é inconstitucional.

— O acesso à Justiça é um direito de todo o cidadão e está expresso na Constituição — disse uma fonte a par do assunto, argumentando que metade das causas trabalhistas se referem ao pagamento de direitos básicos, como 13º salário e férias.

Segundo essa fonte, artigos da reforma restringem o acesso dos cidadãos à Justiça, principalmente os mais pobres. Esse foi o argumento usado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que será julgada pelo STF. Ele questiona também o pagamento, pelo trabalhador, das despesas com perícias médicas, quando solicitadas pelo juiz, bem como dos custos se a ação for arquivada por não comparecimento nas audiências.

O relator da ADI é o ministro Luís Roberto Barroso, que pediu esclarecimentos ao governo e encaminhou o processo ao plenário, sem acatar o pedido de liminar. No posicionamento, a União alegou que a reforma não cerceia o acesso à Justiça porque permite gratuidade a quem realmente precisa. Além disso, impõe responsabilidades das partes, evitando uma enxurrada de ações e desafogando o Judiciário.

A reforma já provocou uma redução drástica dos processos, segundo balanço do TST. entre janeiro e março deste ano, houve queda de 45,4%.

— Os processos trabalhistas ganharam mais racionalidade. Ainda que a reforma deixe dúvidas em um conjunto de temas, o risco de quem gera emprego reduziu bastante — disse o especialista em trabalho Emerson Casali.

JUCÁ: GOVERNO FARÁ O QUE FOR PRECISO

Enquanto isso, o Executivo estuda o que pode fazer por decreto e portaria, ou mesmo por uma nova MP, na tentativa de regulamentar questões que ficaram no limbo com a caducidade da 808.

— Há um vácuo pelo fato de a MP ter caducado, mas o governo fará o que for necessário para que haja uma complementação da reforma trabalhista — afirmou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Sem a MP, várias questões ficaram pendentes, como jornada intermitente, trabalho de grávidas em local insalubre e até a arrecadação da União.

Apesar disso, o professor da USP Hélio Zylberstajn diz que a caducidade da MP terá poucas implicações para os trabalhadores de forma geral, porque regulamentava questões específicas:

— Nenhuma empresa vai substituir todo o seu quadro de pessoal por intermitentes, nem por grávidas. A lei não mexeu na essência da CLT, que é a caracterização do vínculo empregatício.

Já o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, avalia que a queda da MP aumenta a precaridade dos diretos trabalhistas.

COMO FICAM AS LEIS AGORA

Insegurança jurídica: Não fica claro se a reforma se aplica aos contratos antigos

Contrato intermitente (por hora): Cai a exigência de 18 meses de intervalo para que um patrão possa contratar como intermitente um trabalhador que antes tinha um contrato por tempo indeterminado. Essa restrição valia até 2020

Multa: Volta a cobrança de multa de 50% do valor da remuneração a ser paga pelo trabalhador em caso de descumprimento do contrato intermitente

Autônomos: A MP determinava que um trabalhador autônomo não podia ser contratado com exclusividade. Sem a MP, isso deixa de valer

Garçons: Cai a definição expressa de que gorjeta não é receita própria do empregador e, por isso, tem de ser dividida conforme acordo ou convenção coletiva

Jornada: Jornadas de 12 horas de serviço por 36 horas de descanso poderão ser feitas por acordo individual. A MP exigia acordo coletivo

Indenização por dano moral: Sem a MP, fica como base de cálculo apenas a remuneração do trabalhador, não mais o teto do INSS (R$ 5.645)

Gestantes: Sem a MP, elas poderão trabalhar em local insalubre

Perda de arrecadação: A MP incluía na base de cálculo de impostos e contribuições (FGTS, Previdência Social e Imposto de Renda) as gratificações de funções pagas aos trabalhadores em cargos de chefia, coordenação e diretoria. Além disso, entravam na conta 50% do valor pago a título de ajuda de custo (cursos e viagens, por exemplo) que excedesse o salário do trabalhador. Sem a MP, as empresas recolherão menos para o governo