Reino Unido vota para deixar a União Europeia

FERNANDA ODILLA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA de S.PAULO, DE LONDRES
DE SÃO PAULO

24/06/2016 00h11 – Atualizado às 05h26

Os britânicos tomaram nesta quinta (23) a decisão histórica de se separarem da União Europeia, o bloco político e econômico que hoje congrega 28 países e ao qual aderiram em 1973. O processo ainda precisa passar pelo Parlamento, mas um veto pelos legisladores é considerado suicídio político.

A negociação da ruptura -o Brexit, fusão das palavras “saída” e “britânica” em inglês- deve levar dois anos.

Com os votos dos 382 distritos do Reino Unido apurados, a opção por deixar a União Europeia venceu por 51,9% a 48,1%, abalando mercados financeiros e provocando uma onda de choque e incredulidade global.

No início da madrugada, manhã na Ásia, a libra chegava ao menor valor em relação ao dólar em 31 anos. A cotação estava em US$ 1,32, queda de 11% em relação ao fechamento de quinta (23). Na Ásia, as bolsas despencavam em Tóquio (–7,22%), Hong Kong (-4,67%) e Seul (-4,09%).

As consequências econômicas de uma saída devem se estender para o comércio —com prejuízo maior para Londres do que para Bruxelas, já que os britânicos dirigem metade de suas exportações à UE.

A consulta popular registrou índice histórico de comparecimento —72,2% do eleitorado— e recorde de 46,5 milhões de eleitores registrados.

Por volta das 4h (hora de Brasília), o premiê conservador, David Cameron, principal fiador do voto pró-UE, anunciou que irá renunciar ao cargo.

O premiê tentou acalmar o mercado financeiro e também os 3 milhões de imigrantes europeus que vivem no Reino Unido, garantindo que não haverá mudanças imediatas.

“Asseguro aos mercados que nossa economia é fundamentalmente forte. Não haverá mudanças imediatas na forma como as pessoas viajam e como as mercadorias circulam”.

A escolha do novo premiê britânico, contudo, deve acontecer somente em outubro, quando o Partido Conservador se reúne para apontar o novo líder.

O maior rival de Cameron na disputa, Boris Johnson, ex-prefeito de Londres e líder da campanha pró-saída, não havia se pronunciado pela manhã. Johnson foi vaiado enquanto deixava sua residência em Londres nesta sexta-feira.

Já o líder do partido ultranacionalista Ukip, Nigel Farage, que defende a saída, defendeu a formação de um governo britânico pró-Brexit. “Agora precisamos de um governo Brexit”, disse Farage à imprensa diante do Parlamento.

O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, declarou que conversará com a chanceler alemã, Angela Merkel, para evitar “uma reação em cadeia de eurocéticos”.

O ministro alemão das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, lamentou no Twitter o resultado do plebiscito: “As notícias desta manhã procedentes da Grã-Bretanha são uma verdadeira desilusão. Parece um dia triste para a Europa e a Grã-Bretanha”.

Na Escócia para a reabertura de um resort de golfe, o virtual candidato republicano à Presidência dos EUA, Donald Trump, afirmou que os britânicos “retomaram o controle de seu país” ao optar pela saída da UE. “As pessoas estão irritadas no mundo todo”, disse. “Estão nervosas com pessoas que vêm ao seu país e assumem o controle. Ninguém sabe quem elas são.”

EFEITO DOMINÓ

A campanha do plebiscito foi influenciada nos últimos dias pelo assassinato da deputada trabalhista Jo Cox, pró-Europa, por um ultranacionalista, dia 16. Até então, a saída levava ligeira vantagem na margem de erro.

Pesquisa do instituto YouGov divulgada logo após o fim da votação apontava 52% para a permanência e 48% para a saída da UE —sinal de quão acirrada foi a disputa. Esta não seria, porém, a primeira vez que os institutos britânicos errariam resultados. O mesmo ocorreu nas eleições gerais de 2015.

Foram 15 horas de votação sob chuva, com alagamentos e interrupções no transporte.

O placar expõe um país dividido e, segundo analistas, despertará um sentimento anti-UE continente afora.

Há risco de efeito dominó em outros países do bloco, que podem imitar a consulta popular para obter vantagem em negociações, e de impulso a movimentos separatistas como o escocês e o catalão.

O professor de política Tim Bale, da Universidade Queen Mary, de Londres, pondera que o “efeito dominó” tem mais força se o Reino Unido deixar efetivamente o bloco.

Ainda que não signifique o início de um potencial desmonte, há muitos europeus interessados em, ao menos, debater benefícios e potenciais problemas caso seus países decidam deixar a UE.

Pesquisa feita pelo instituto Ipsos Mori com 6.000 pessoas em nove países europeus em março e abril deste ano indicou que 45% dos entrevistados apoiam a ideia de se fazer uma consulta popular em seu próprio país, e um terço disse que votaria para sair do bloco.

A maioria dos franceses e italianos ouvidos concorda com um plebiscito. O instituto ouviu ainda cidadãos de Suécia, Espanha, Bélgica, Hungria, Polônia, Alemanha e do próprio Reino Unido.

Além do ceticismo quanto ao bloco, o plebiscito no Reino Unido despertou outro sentimento entre os europeus: o de não ser bem-vindo entre parte dos britânicos.

Cerca de 3 milhões de cidadãos de países-membros do bloco vivem no Reino Unido, e aproximadamente 2 milhões de britânicos estão nos outros 27 países da UE.

O livre trânsito de cidadãos da UE, uma das prerrogativas do bloco, transformou-se em um dos pontos de maior apelo durante a campanha do plebiscito. Favoráveis ao Brexit defendem que os imigrantes sobrecarregam o sistema de saúde, baixam os salários e “roubam” empregos.

Por isso, analistas avaliam que haverá muitas feridas a curar no Reino Unido após a votação. A disputa rachou o Partido Conservador e expôs fragilidades do Trabalhista. O cisma persistirá.