Crise atingiu em cheio instituições de nível superior, com queda de 80 mil no número de calouros este ano
Desemprego e perda de renda fizeram o número de calouros nas universidades pagas cair 5% no primeiro semestre do ano, mostrou levantamento feito pelo Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) com 99 instituições do país. Na ponta do lápis, significa que 80 mil alunos deixaram de ingressar no ensino superior particular, em cursos presenciais, neste ano. Considerando apenas Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, a queda de matrículas de calouros foi ainda mais drástica: 25,7%.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que, com a economia crescendo pouco neste ano, a lentidão na criação de novas vagas de trabalho e a redução dos programas de financiamento estudantil, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), do governo federal, não haverá reversão desse movimento de evasão em 2019.
— O desemprego, tanto do próprio estudante quanto de um membro da família, e a perda de renda estão fazendo com que os jovens posterguem a entrada no ensino superior — diz Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp.
O movimento de fuga de ingressantes nas universidades privadas detectado pela pesquisa do Semesp começou em 2015, quando a recessão começou a ganhar corpo no país. Ele se repetiu em 2016 e 2017, anos de baixo crescimento da economia e fechamento de vagas de trabalho, e acumula pouco mais de 20% desde então. Em 2014, o número de calouros que ingressaram nas faculdades particulares foi de 1,88 milhão, enquanto neste ano ficou em 1,5 milhão. Quando se toma toda a base de alunos matriculados no ensino superior privado, de 4,6 milhões, a redução de matrículas, no primeiro semestre deste ano, foi de 1,6%.
— A base de alunos já matriculados não cedeu, já que cerca de 2 milhões de estudantes ainda têm ajuda do Fies. Além disso, as faculdades fizeram uma verdadeira tática de guerrilha para manter os alunos com descontos e promoções — afirma Capelato.
Impacto da violência
A operadora de telemarketing Raynara Oliveira, de 21 anos, foi uma das que não conseguiram se manter numa sala de aula. Ela abandonou o curso de Jornalismo na Universidade Nove de Julho, em São Paulo, após concluir apenas um semestre. Ela se separou do marido, perdeu parte da renda e voltou a morar com a mãe, no Jardim Peri, na Zona Norte, pagando R$ 600 de aluguel. Sem bolsa ou financiamento público, ficou sem recursos para pagar os R$ 440 de mensalidade. Seu salário é de R$ 900.
— Não consegui mais pagar a mensalidade. Penso em voltar a estudar, no futuro. Hoje, meu plano é passar num concurso da Polícia Militar — diz Raynara.
A região Sul do país foi a que mais perdeu novos alunos nas faculdades privadas, com retração de 21,1%, além de queda de 13,3% nos já matriculados. Segundo Capelato, as instituições dessa região não têm uma política de conceder descontos para atrair ou reter os estudantes. Mas chamou a atenção também a queda somada de 25,7% de novos ingressantes em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O levantamento não cita a queda de calouros por estado, mas o Semesp avalia que, no Rio, o problema se amplificou com a crise no setor público e a violência.
— No Rio, houve uma crise mais grave no setor público, e muitas pessoas ficaram sem receber o salário, o que afetou no número de novos matriculados nas instituições de ensino superior. O aumento da violência também tem impacto negativo, já que muita gente estuda à noite — avalia Capelato.
Além da crise econômica, as restrições no Fies, sancionadas pelo presidente Michel Temer no final de 2017, também afetaram o número de calouros das faculdades particulares neste ano, apontou o levantamento do Semesp. Entre as principais, o Ministério da Educação (MEC) fixou o valor máximo de mensalidade financiada em R$ 5 mil e reduziu o prazo para que o aluno devolva o financiamento — de 18 meses após a conclusão do curso para o primeiro mês após o término.
— A redução de novos alunos por conta da crise econômica já era esperada. Mas as faculdades privadas têm de deixar de ser viúvas do Fies. Precisam se planejar para financiar seus alunos no longo prazo e mudar seus modelos, com uma educação continuada pelo resto da vida. Os cursos principais devem ser menores, e devem ser complementados com outros — opina Carlos Monteiro, da CM Consultoria, especializada em ensino superior.
O Ministério da Educação informou, em nota, que a redução do Fies teve como objetivo garantir sua sustentabilidade. Segundo a pasta, com as regras anteriores o programa atingiu inadimplência de cerca de 50%. Em 2016, o ônus do programa foi de R$ 32 bilhões, valor 15 vezes superior ao custo apresentado em 2011. Caso o Fies se mantivesse como concebido e projetado, diz a nota, “ele se tornaria insustentável, com o Tesouro Nacional e o governo federal sem condição de mantê-lo, o que provocaria o fim da política”.
Para o segundo semestre deste ano, informou o ministério, foi aprovada proposta para estabelecer um percentual mínimo de financiamento, de 50%. A medida deve beneficiar cerca de 25% dos estudantes inscritos que, em muitos casos, desistiam de firmar contrato após conseguir um percentual abaixo disso. Outra medida aprovada foi o aumento do teto de financiamento, de R$ 30 mil para R$ 42.983 por semestre. Com essas melhorias, o MEC avalia que mais candidatos irão se beneficiar do programa.