A cada mês, quase duas fabricantes de autopeças recorrem à Justiça na tentativa de escapar da falência pelo instrumento da recuperação judicial. Foi esse o ritmo médio apurado entre março do ano passado e fevereiro deste ano, 12 meses em que 22 empresas do setor buscaram o expediente, ainda que nem sempre os requerimentos sejam aceitos por juízes.
De 2013 a 2014, 27 companhias fizeram o mesmo, o que significa que 49 fornecedores de peças solicitaram recuperação judicial em pouco mais de três anos, de acordo com a Serasa Experian.
A lista aumenta à medida que a crise das montadoras, destino de dois terços da produção, ganha contornos “dramáticos” – para usar um adjetivo empregado por executivos dessa indústria.
Dos pequenos fabricantes de estrutura familiar – que nos não raros casos de insolvência dependem do socorro de grandes clientes para comprar matérias-primas – a subsidiárias de multinacionais, forçadas, muitas vezes, a captar dinheiro com as matrizes estrangeiras, um grupo crescente de empresas sente a dificuldade de gerar caixa suficiente aos compromissos de curto prazo quando minguam as encomendas numa indústria que usa menos da metade de sua capacidade. Sufocadas, elas batem nas portas de bancos, mas se deparam com um sistema financeiro seletivo. Sem crédito, caem em um, nem sempre reversível, quadro de asfixia financeira.
Desde 2013, quando o mercado de automóveis inverteu a curva de nove anos seguidos de crescimento, 24 empresas de autopeças esgotaram todas as alternativas e tiveram falências decretadas pela Justiça, ainda segundo a Serasa.
“Os subsetores mais dependentes das montadoras de veículos comerciais, que não exportam e participam pouco do mercado de reposição são os que apresentam maior estresse financeiro no momento”, diz Fernando Nogueira, diretor da TCP Latam, butique de investimento e assessoria financeira que viu na crise a oportunidade de fazer dinheiro com a reestruturação de empresas de autopeças.
Pode não ser a “quebradeira” que alguns esperavam após o consumo de veículos retroceder uma década. Todos termômetros que medem a saúde financeira na cadeia de suprimentos indicam, porém, acelerada deterioração.
De um ritmo anual estabilizado entre cinco e seis companhias, o número de recuperações judiciais – último recurso para escapar da bancarrota – pedidas por fabricantes de componentes automotivos chegou a 11 em 2013, saltando para 16 e 15 nos dois anos seguintes, respectivamente (veja gráfico acima). Por seus primeiros registros, 2016 mostra potencial de marcar um indesejado novo pico na estatística. Só entre janeiro e fevereiro, o total que partiu para esse caminho – sete – já é quase metade do resultado final de 2015.
A Arteb, tradicional fabricante de faróis com mais de mil trabalhadores em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, é um dos casos recentes dessa lista. Além da queda de 40% nas vendas, a companhia citou dificuldades do aumento de custo e da falta de crédito ao ter, no mês passado, o pedido de recuperação aceito pela Justiça.
Desde o início do ano, também entraram em recuperação judicial a Rayton, uma fabricante de peças de transmissão da Grande São Paulo, e a Wetzel, de peças fundidas e usinadas em ferro e alumínio, com sede em Joinville (SC).
Em geral, filiais de multinacionais não chegam a esse ponto porque, pior que seja a situação, podem contar com o caixa dos controladores no exterior, reforçado pelos resultados históricos nos Estados Unidos, onde as vendas de carros bateram recorde em 2015, e pela recuperação do mercado europeu. Só no ano passado, US$ 5,52 bilhões entraram no país em empréstimos corporativos a controladas da indústria automobilística, incluindo montadoras.
Ainda assim, as grandes multinacionais também tiveram que enxugar estruturas e lançar programas de reestruturação para atravessar a tormenta. Unindo-se a um grupo formado por sistemistas automotivos como a Delphi, que já fechou três unidades no país, a também americana Eaton vai desativar em junho sua fábrica em Guarulhos (SP), mesma cidade onde a gaúcha Randon encerrou a produção de semirreboques. Fornecedora, entre outros produtos, de para-choques e painéis de instrumentos, a Plascar, controlada por dois fundos de investimento americanos, já havia fechado em 2014 as fábricas de Pindamonhangaba e Campinas, ambas cidades do interior paulista, e agora renegocia contratos com bancos e busca um novo sócio para o negócio.
Na base da cadeia, pequenos fornecedores ganham sobrevida com a liquidez emergencial dada por grandes clientes: multinacionais sistemistas e montadoras, que, para garantir o fornecimento das peças, antecipam recebíveis e chegam a comprar insumos usados na produção dos componentes. “Temos um grupo de risco de mais de 40 fornecedores. São empresas em dificuldade financeira ou que perderam grande volume de venda. Antes, não eram mais do que três nessa situação”, diz Luis Afonso Pasquotto, presidente da fabricante de motores Cummins.