A aplicabilidade do aviso prévio proporcional aos contratos de trabalho terminados antes da promulgação da Lei 12.506/2011 e o reconhecimento da normatividade das normas constitucionais.
Por Carlos Gonçalves Júnior
Advogado. Professor de Direito Constitucional da PUC/SP
Marina Dutra
Advogada. Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela PUC/SP
No final de 2011 a tão esperada Lei n.º 12.506/2011 definitivamente regulamentou o artigo 7º, inciso XXI da Constituição Federal, que, por si só, garante o direito do trabalhador ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 dias.
Não obstante esta conquista social efetivar a determinação constitucional mencionada e, em última análise, o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana que fundamentam a República Federativa do Brasil, sua aplicabilidade vem sendo ceifada pela maior parte da jurisprudência pátria.
Isso porque se tem entendido que direito fundamental em questão apenas seria assegurado nas rescisões de contrato de trabalhado ocorridas a partir da publicação da Lei n.º 12.506, culminando na nova Súmula 441 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Este raciocínio reafirma um posicionamento ultrapassado e superado no que concerne à aplicabilidade das normas constitucionais. Reconhecer que os direitos subjetivos previstos na Constituição somente podem ser exigidos após a edição de legislação regulamentadora pelo poder constituído é negar a normatividade, eficácia e aplicação da própria Lei Maior. Os mandamentos constitucionais são imperativos e dotados de por normativos.
Com toda a vênia aos eminentes julgadores que assim tem sentenciado, não podemos nos calar diante da argumentação meramente legalista que alcança tal conclusão.
A Constituição Federal de 1988, na linha das constituições democráticas da sua época, já em seu artigo 1º, IV, revela serem “os valores sociais do trabalho” um dos fundamentos do Estado Brasileiro. Esses valores são essenciais para conformação das ideias de Estado de Direito e de “dignidade da pessoa humana”, também encartada como fundamento do Estado no inciso II do artigo inaugural da nossa Magna Carta.
Por sua vez, o artigo 7º da Norma Fundamental, inserido no Capítulo II (Dos Direitos Sociais) do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) em seu inciso XXI estabelece de forma clara que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei.” (destaques nossos)
Perceba-se, foi o próprio constituinte originário quem reconheceu o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço como um dos direitos fundamentais da pessoa humana, e, portanto, como não poderia deixar de ser, um dos fundamentos do próprio Estado Brasileiro.
Conveniente incorrer no pleonasmo de que o aviso prévio proporcional é um direito fundamental constitucionalmente garantido!
Ao tratar dos direitos fundamentais, o mestre Paulo Bonavides esclarece que os direitos sociais – dentre os quais está o direito ao aviso prévio proporcional, objeto da presente discussão – estão incluídos dentre o rol dos direitos fundamentais (“direitos fundamentais de segunda geração”), senão vejamos:
“Os direitos fundamentais da segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX.” (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 23ª ed., p. 564)
Assim, não restam dúvidas que o aviso prévio proporcional trata-se de direito fundamental reconhecido e garantido pela Constituição Federal de 1988, desde sua promulgação, devendo como tal ser tratado. Mais que um direito subjetivo, incorporado ao patrimônio de todos os trabalhadores empregados, é também uma “garantia institucional” do Estado brasileiro, vez que fomenta o surgimento de uma sociedade justa e igualitária, prestigiando a perenidade e estabilidade das relações contratuais de emprego e valorizando a força de trabalho.
Ressalte-se que não é privilégio do Estado brasileiro a proteção das relações duradouras de trabalho e das partes nelas envolvidas. A Organização Internacional do Trabalho em várias de suas convenções estabelece normas no mesmo sentido, em especial a Convenção da OIT n.º 156 de 23 de dezembro de 1985, que explicitamente dispõe sobre medidas protetivas das relações assentadas do trabalho, convenção esta que foi internalizada na ordem jurídica brasileira em 17 de setembro de 1992 por meio do Decreto Legislativo n.º 68, que se encontra em pleno vigor.
Portanto, além do aviso prévio de no mínimo trinta dias, garantido a todos os trabalhadores empregados, é direito dos trabalhadores brasileiros desde a promulgação da Carta Constitucional de 1988 um adicional proporcional ao tempo de serviço.
Por outro lado, o artigo 5º, § 1º da Constituição Federal tem clara dicção ao estabelecer que “as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata”. Ou seja, declarou expressamente o constituinte que as normas constitucionais não são meras diretrizes ou recomendações políticas dirigidas aos legisladores e governantes, mas representam imperativos jurídicos capazes de estabelecer direitos subjetivos.
Nesse sentido, a interpretação dos dispositivos constitucionais veiculadores de direitos fundamentais deve ser realizada de modo a garantir a maior eficácia e aplicabilidade desses direitos. E qualquer interpretação que impeça a plena realização do direito implica ofensa à própria ideia da Constituição como norma.
Não obstante o mencionado parágrafo esteja localizado no artigo 5º da Constituição, não há dúvida de que se aplica para todas as normas veiculadoras de direitos fundamentais, sejam as que estabelecem direitos individuais, sejam aquelas que estabelecem direitos sociais e coletivos. Assim esclarece Flávia Piovesan:
“Observe-se que não obstante este princípio esteja situado topograficamente como parágrafo do art. 5º da Constituição de 1988, que prevê os direitos e deveres individuais e coletivos, é objeto de seu alcance, reitere-se, todo e qualquer preceito constitucional definidor de direito e garantia fundamental. Afasta-se aqui eventual interpretação restritiva que, baseada em argumentações topográficas, venha a sustentar a incidência deste princípio apenas sobre o aludido art. 5º. A partir de interpretação teleológica do texto, independente da topografia constitucional, o princípio da aplicabilidade das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais há de se expandir por todo o texto constitucional. Vale dizer: onde se encontre um preceito definidor de direito ou garantia fundamental, estará delineado o campo de incidência do princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais.” (Proteção judicial contra as omissões legislativas, p. 106)
Os direitos fundamentais são os principais fins do Estado Democrático de Direitos, como nos ensinava o saudoso Ataliba Nogueira, o “Estado é meio e não é fim”. O fim do “Estado” enquanto sociedade jurídica e politicamente organizada é garantir uma sociedade capaz de propiciar uma vida digna aos seus cidadãos, sendo o conteúdo material desta dignidade conformado pelas normas veiculadoras dos direitos fundamentais.
Neste sentido, a doutrina tem reconhecido que a interpretação destes direitos deve ser realizada observando alguns princípios hermenêuticos especiais. Dentre os quais o “princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais”, descartando qualquer outra tendente a inibir ou diferir a realização dos direitos fundamentais. Mais uma vez são de grande valia os ensinamentos da professora Flávia Piovesan:
“Com efeito, a partir do princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, toda e qualquer norma definidora de direitos e garantias fundamentais, toda e qualquer norma definidora de direito e garantias fundamentais há de alcançar aplicação imediata e, neste sentido, devem se orientar os poderes púbicos. Vale dizer, cabe aos poderes públicos conferir eficácia máxima e imediata a todo e qualquer preceito constitucional definidor de direito e garantia fundamental.” (Proteção judicial contra omissões legislativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2003)
Neste sentido, o direito dos trabalhadores ao aviso prévio proporcional ao tempo de trabalho superior a 30 dias incorporou o patrimônio de todos os cidadãos trabalhadores brasileiros desde a promulgação da Constituição Federal em 1988. Não se pode considerar que direito constitucionalmente garantido só produzirá eficácia completa após a edição de norma infraconstitucional regulamentadora, raciocínio que colocaria em risco a própria validade e eficácia da norma constitucional.
Seguindo esta mesma linha de raciocínio, nosso Supremo Tribunal Federal tem consolidado seu entendimento de que os direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata: “Direitos e garantias fundamentais devem ter eficácia imediata (cf. artigo 5º, § 1º); a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos deve obrigar o estado a guardar-lhes estrita observância. Direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da constituição (artigo 60, § 4º).” (Ext. n.º 986)
Ressalte-se que o posicionamento do STF quanto a efetividade imediata das normas constitucionais veiculadoras de direitos fundamentais de caráter social, recai inclusive, sobre os direitos que dependem, “a priori”, de integração pelo legislador. Vejamos: “Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional.” (RE 603.575, 20/04/2010)
Impulsionada pela crescente doutrina pátria e alienígena que prestigia a máxima eficácia das normas constitucionais, especialmente aquelas veiculadoras de direitos fundamentais, a corte brasileira de jurisdição constitucional tem reconhecido a imperatividade da garantia do exercício dos direitos constitucionalmente garantidos, mesmo quando ausente essencial norma integradora que os regule.
Especialmente no que concerne ao tema do aviso prévio proporcional, ao julgar em conjunto 4 (quatro) mandados de injunção (MIs n.ºs 943, 1010, 1074 e 1090) impetrados por ex-empregados de uma grande empresa mineradora após a rescisão dos respectivos contratos de trabalho, em junho de 2011, os ministros do Supremo Tribunal Federal concordaram sobre a necessidade da imediata efetividade da norma constitucional garantidora do direito ao aviso prévio proporcional, considerando que desde a promulgação da Constituição de 1988 este é um direito já integrado ao patrimônio dos trabalhadores brasileiros.
Assim, consentiram sobre: i) a imperatividade da aplicação imediata do direito constitucional; ii) a inconstitucional omissão do Poder Legislativo, que até então não havia elaborado norma estabelecendo os critérios para o exercício do direito; e, principalmente, iii) que na omissão do legislador, caberia ao próprio Supremo Tribunal Federal, exercendo sua função de garantidor da Constituição e dos direitos nela encartados, elaborar critérios a serem aplicados nos casos sub judice e que teriam reflexos para toda a sociedade. No entanto, infelizmente o julgamento não foi levado à cabo, vez que os ministros não chegaram a um consenso sobre quais critérios deveriam ser adotados[1].
Conclui-se, portanto, que a ausência de legislação integradora não era razão suficiente para obstar a realização de direito constitucionalmente previsto, especialmente por se tratar de direito fundamental, corolário da dignidade da pessoa humana.
Perceba-se: da notícia do julgamento, que não chegou a ser concluído por falta de consenso entre os ministros sobre quais os critérios a serem a plicados para apuração do benefício, é possível inferir que nossa corte constitucional reconheceu que o aviso prévio proporcional é um direito imediato dos trabalhadores, devendo ser conhecido pelo Poder Judiciário, mesmo na ausência de sua norma reguladora. Este posicionamento reflete uma notável evolução do constitucionalismo brasileiro, que de longa data estava em gestação.
Assim, o STF reconheceu que trabalhadores demitidos antes da promulgação da Lei n.º 12.506/2011 têm direito ao recebimento do aviso prévio proporcional com base na própria norma constitucional, cabendo ao poder judiciário elaborar os critérios para a sua apuração em razão da ausência de lei para tanto.
Não restam dúvidas sobre a declaração do direito dos cidadãos impetrantes dos mandados de injunção em questão em receber o benefício do aviso prévio proporcional mediante critério a ser formulado pelo STF, dado que as injunções foram julgadas procedentes[2].
Ora, não se pode dizer que a promulgação da Lei n.º 12.506/2011, estabelecendo os critérios para a apuração do benefício para o futuro, prejudique a situação jurídica daqueles que já tinham o seu direito declarado pelo STF. Antes da promulgação da lei nossa corte constitucional já havia reconhecido expressamente o direito ao benefício independentemente da elaboração da sua norma regulamentadora, pois se trata de direito que decorre diretamente da Constituição. Agora, com a regulamentação legislativa, não se pode admitir um retrocesso no que concerne aos direitos que já haviam sido assegurados mesmo antes da edição da lei.
Ainda anteriormente, ao julgar o Mandado de Injunção n.º 95-6 RR, ainda em outubro de 1992, que tratava da aplicação imediata do aviso prévio proporcional, o Exmo. Ministro Marco Aurélio já preconizava, in verbis:
“Não posso, de forma alguma, entender que se inseriu no inciso LXXI do artigo 5º um preceito inútil, porque estaria a viabilizar, apenas, a constatação de que o Legislativo está omisso.
A Suprema Corte não é convocada, com a impetração da injunção, apenas para certificar que o Congresso Nacional continua omisso. Não! Ela é convocada para lançar no mundo jurídico um provimento que viabilize o exercício do direito.”
No mesmo sentido, ao julgar o Mandado de Injunção n.º 695-4, em 1º de março de 2007, insistia o Ministro Marco Aurélio acerca da aplicabilidade imediata do inciso XXI do artigo 7º da Constituição Federal:
“Como fico nesta dificuldade maior, não posso restringir o mandado de injunção simplesmente ao campo declaratório da omissão do Congresso Nacional, e, a esta altura, tendo presente o fato de o próprio Relator afirmar que a conclusão do Colegiado parte da premissa de que o ex-empregador poderá ser compelido a satisfazer o aviso prévio proporcional, acolho o pedido no sentido de fixarem-se, desde logo, os parâmetros do aviso prévio proporcional.
Meu voto, portanto, é no sentido de deferir o mandado em maior extensão do que a constante do voto nobre Relator, Néri da Silveira, para fixar, desde logo, os termos do aviso prévio proporcional.”
Se o direito foi consagrado pela Carta Cidadã, com aplicabilidade e efetividade imediata, não há um critério discriminador entre o trabalhador demitido antes ou depois da promulgação, pois a lei não conferiu direito algum, apenas regulamentou o seu exercício, que já era garantido pela Constituição desde sua promulgação.
Ao julgar o Mandado de Injunção 369-DF, o Ministro Carlos Velloso, foi além, pois reconhecendo a imperatividade da realização em concreto do direito constitucionalmente garantido, diante da omissão legislativa, e lançou os critérios para a sua implantação. Vejamos:
“Obtida a norma para o caso concreto, e é isto o que se obtém com a procedência do mandado de injunção, o interessado irá ao juízo comum ou ao juízo trabalhista para o fim de efetivar a viabilização do seu direito, mediante a aplicação da norma elaborada para o caso concreto, pelo Supremo Tribunal. É nesta ocasião que o autor da injunção comprovará os fatos sobre os quais incidirá a norma elaborada para o caso concreto. Dessa incidência surgirá o direito subjetivo, cujo exercício até então estava inviabilizado em razão da ausência da norma regulamentadora.
Assim posta a questão, faço o que, segundo penso, a Constituição quer que eu faça: para o caso concreto elaboro a norma nos seguintes termos: o aviso prévio será de dez dias por ano de serviço ou fração superior a seis meses, observado o mínimo de trinta dias. Obtida a norma – e é isto o que o impetrante procura obter no mandado de injunção – o impetrante, mediante reclamação trabalhista, procurará a viabilização do exercício do direito que a Constituição lhe conferiu. Na reclamação trabalhista, que vai se seguir, o ex-empregador será citado e vai se defender.”
Perceba-se que as discussões que até agora se puseram perante o Supremo Tribunal Federal contornavam a possibilidade de a Corte Suprema redigir a norma regulamentadora do direito, e sobre qual seria o seu teor. Nunca se questionou a legitimidade do exercício imediato do direito constitucionalmente conferido. Parece-nos que com as deliberações ocorridas em razão do julgamento dos MIs n.º 943, 1010, 1074 e 1090, a problemática da eficácia imediata do aviso proporcional, bem como da necessidade e imperatividade do Supremo Tribunal Federal suprir a lacuna legislativa já encontrava-se superado, restando em questão apenas a decisão de quais os critérios que deveriam ser adotados para a integração constitucional e realização concreta do direito.
Este impasse viu-se superado com a elaboração da Lei n.º 12.506 de 13 de outubro de 2011, que estabeleceu os critérios para a concretização do aviso prévio proporcional.
Inexistindo situação que justifique a aplicação de critérios divergentes para os trabalhadores dispensados antes e depois da promulgação da lei, e sendo certo que são todos igualmente legitimados ao gozo do direito ao aviso prévio proporcional, conclui-se que os critérios trazidos pela lei devem ser aplicados a todos os trabalhadores.
Ressalte-se que não se trata de fenômeno de “retroatividade” da lei, vez que o direito ao aviso prévio proporcional já estava incorporado ao patrimônio jurídico dos empregados brasileiros antes da promulgação desta, decorre diretamente da Constituição Federal.
Entretanto, não é esse o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho. A Orientação Jurisprudencial n. 84, inserida em 28 de abril de 1997 e recentemente cancelada, dizia:
OJ 84. AVISO PRÉVIO. PROPORCIONALIDADE (cancelada) – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
A proporcionalidade do aviso prévio, com base no tempo de serviço, depende da legislação regulamentadora, visto que o art. 7º, inc. XXI, da CF/1988 não é auto-aplicável.
Com o advento da Lei 12.506, o enunciado da OJ foi superado pela ordem jurídica. Assim, na mesma esteira, o Tribunal editou a nova súmula:
Súmula nº 441. AVISO PRÉVIO. PROPORCIONALIDADE – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.
O direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço somente é assegurado nas rescisões de contrato de trabalho ocorridas a partir da publicação da Lei nº 12.506, em 13 de outubro de 2011.
Para combater este raciocínio, salutar e esclarecedora a reflexão do MM. Julgador Carlos Alberto Monteiro da Fonseca, juiz substituto da 51ª Vara do Trabalho de São Paulo, em sentença recentemente proferida e que pedimos vênia para transcrever:
Busca o reclamante o recebimento de aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, com fundamento no inciso XXI do artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil. Afirma a reclamada que tal dispositivo carecia, à época da dispensa, de regulamentação, não sendo auto-aplicável.
Pois bem. A tese da reclamada guarda respaldo na jurisprudência consolidada do TST. Com efeito, a Orientação Jurisprudencial 84 da SDI-1 do TST afirma exatamente isso, que o dispositivo constitucional dependeria de legislação ordinária para que fosse exigível.
A pergunta que me faço é a seguinte: é razoável que assim seja? E chego à conclusão de que, hoje, a resposta a tal pergunta é negativa. A OJ 84 data de 1997. Naquela época, passados quase nove anos da promulgação da Constituição de 1988, entendo que essa posição era, ainda, razoável. Poder-se-ia esperar mais algum tempo para que o legislador ordinário regulamentasse o direito à proporcionalidade do aviso prévio. Mas em 2011 esse direito não havia ainda sido regulamentado. Essa situação não me parece, repito, razoável.
Ainda que minha visão do problema seja hoje minoritária, sinto-me mais confortável ao perceber que também o Supremo Tribunal Federal mudou seu entendimento sobre a matéria, para decidir como o fez em 2011, provocando a retomada do debate legislativo que culminou na promulgação da Lei 12.506, ao debater mandados de injunção tratando do tema em apreço que disciplinaria a questão, diante da omissão do legislador.
No caso concreto, o reclamante pede que se dê eficácia ao direito fundamental inscrito no inciso XXI do artigo 7º da Constituição. A norma constitucional não fora, até então, objeto da regulamentação nela mesma prevista. O ordenamento jurídico contém norma aplicável a essa hipótese.
Assim está redigido o artigo 8º da CLT: As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Como estamos diante de um direito constitucionalmente assegurado, mas carente de regulamentação, tomo emprestado o parâmetro definido pelo legislador na Lei 12.506/11 (não se trata de aplicação retroativa da lei, mas de adoção de critério de integração), até mesmo porque a vontade do legislador é determinante, e acolho o pedido, na forma em que foi formulado, de recebimento do aviso proporcional ao tempo de serviço (o reclamante receberá o equivalente a seis dias), com os reflexos postulados no FGTS mais multa respectiva. Além disso, são devidos os honorários assistenciais, fixados em 15% do valor da condenação. Os pedidos são líquidos, e somam R$230,98.
Menciono, apenas, o fato de que as manifestações no Supremo Tribunal Federal durante o julgamento dos mandados de injunção acima mencionados apontavam, com base no direito comparado (um dos fundamentos mencionados no artigo 8º da CLT), para parâmetros muito superiores aos adotados pelo legislador na Lei 12.506, o que mostra bastante comedimento do Legislativo na matéria, de modo a não onerar excessivamente o empregador. (…) (grifos nossos)
(Sentença. Autos nº 0002847-54-2011-5-02-0051 – Número Único: 00028475420115020051. Data de Inclusão: 27/03/2012)
Também com base nas decisões da corte constitucional, destaca-se o brilhantismo do voto vencido da D. Desembargadora Lizete Belido Barreto Rocha, do E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:
É certo, assim, que a atividade legiferante extemporânea, cuja mora já fora reiteradamente decretada pelo STF, não pode ser simplesmente “apagada” com a edição da lei, “esquecendo-se” do extenso e desarrazoado hiato entre o advento da Constituição e a publicação da Lei 12.506/11.
Tampouco é de se admitir a retirada da concretude maior que seria conferida pela decisão da Suprema Corte, a reger todo o período desde o advento da nova ordem constitucional, pela edição de uma lei que se omite em diversos pontos, inclusive quanto às relações anteriores à sua vigência.
Ora, como demonstra todo o raciocínio esboçado, corroborado pelas decisões do Supremo Tribunal Federal, o direito fundamental do trabalhador ao aviso prévio proporcional foi consagrado pela Constituição Federal de 1988, e não pela Lei 12.506/11.
Admitir que a lei somente viesse a reger as relações de trabalho com contratos vigentes quando de sua entrada no ordenamento ou após esse marco corresponderia a despir de qualquer eficácia o art. 7º, XXI da CRFB durante todo o período anterior. Seria o mesmo que tê-lo por riscado do texto constitucional durante mais de 20 anos!
A adoção de tal tese implicaria necessariamente o reconhecimento de que coube ao Legislativo controle discricionário sobre a concessão de direito subjetivo já outorgado anteriormente pela Lei Maior; de que foi relegado ao arbítrio de maiorias ocasionais direito fundamental consagrado no corpo permanente e imutável da Constituição.
Se nem pela via de emenda constitucional poderia o legislador suprimir o direito fundamental em comento, por se tratar de cláusula pétrea, como é de se admitir que postura muito mais cômoda e menos dispendiosa – sua inação completa – possa atingir esse mesmo (e vedado) resultado?
Com isso não se pode conviver. (…)
(Acórdão de RO 0002740-27.2011.5.02.0013 – 1ª Turma. Relatora: Lizete Belido Barreto Rocha. Publicado em 03/07/2012)
Pelo exposto, denota-se que as inúmeras teses baseadas no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal no sentido de exaltação do direito adquirido e ato jurídico perfeito, além de argumentos referentes à irretroatividade da lei, partem da equivocada premissa que atribui à Lei do Aviso Prévio, e não à Carta Republicana, a origem do direito em questão.
Ademais, a mora legislativa e a ausência de isonomia entre os empregados dispensados antes ou depois da existência de legislação ordinária não poderiam embasar um chamado “ato jurídico perfeito”, visto que imersos na imperfeição maior do sistema jurídico – a inconstitucionalidade!
Portanto, com o advento da regulamentação legal, não vislumbramos razão para que os funcionários dispensados previamente à promulgação da lei tenham seu direito apurado por meio de critérios diversos daqueles estabelecidos na legislação vigente, pelo que defendemos sua aplicabilidade.
Ademais, o posicionamento da E. Tribunal Superior do Trabalho manifestado na Orientação Jurisprudencial n.º 84 e na Súmula n.º 441 apresenta-se em manifesto desacordo não só com a teoria do direito constitucional contemporâneo, como afronta inequívoco posicionamento do Supremo Tribunal Federal, devendo, por esta razão ser revisto e devidamente reformulado de modo a prestigiar a eficácia das normas constitucionais veiculadoras dos direitos fundamentais.
[1] Vejam, porém, como esse julgamento foi noticiado no site oficial o próprio STF, in verbis:
STF admite fixar aviso prévio proporcional ao tempo de serviço
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, nesta quarta-feira, o julgamento de quatro Mandados de Injunção (MI) cujos autores reclamam o direito assegurado pelo artigo 7º, inciso XXI, da Constituição Federal (CF), de “aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei”. Os mandados foram impetrados diante da omissão do Congresso Nacional que, após a promulgação da CF de 1988, ainda não regulamentou o dispositivo.
O julgamento foi suspenso depois que o relator, ministro Gilmar Mendes, se pronunciou pela procedência das ações. Por sugestão do próprio relator, entretanto, o Plenário decidiu pela suspensão do julgamento para que se possa examinar a explicitação do direito pleiteado, nos casos concretos em exame. Dentre o manancial a ser pesquisado, há experiências de outros países, recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e, também, projetos em tramitação no Congresso Nacional, propondo a regulamentação do dispositivo constitucional.
Durante os debates em torno dos processos – os Mandados de Injunção 943, 1010, 1074 e 1090 -, os ministros observaram que a Suprema Corte deveria manter o avanço em relação a decisões anteriores de omissão legislativa, em que apenas advertiu o Congresso Nacional sobre a necessidade de regulamentar o respectivo dispositivo invocado, e adotar uma regra para o caso concreto, até mesmo para estimular o Poder Legislativo a votar uma lei regulamentadora.
Foram citados dois precedentes em que o STF, com base em parâmetros já existentes, estabeleceu regras para vigerem enquanto não houver regulamentação legislativa. O primeiro deles foi o MI 721, relatado pelo ministro Marco Aurélio. Diante da omissão legislativa relativa ao parágrafo 4º do artigo 40 da CF, que confere o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço em decorrência de atividade em trabalho insalubre, a Corte adotou como parâmetro, para a aposentadoria de uma trabalhadora que atuava em condições de insalubridade, o sistema do Regime Geral de Previdência Social (artigo 57 da Lei 8.213/1991), que dispõe sobre a aposentadoria especial na iniciativa privada.
No segundo caso, o MI 708, relatado pelo ministro Gilmar Mendes, a Suprema Corte solucionou a omissão legislativa quanto ao direito de greve no serviço público, determinando a aplicação das regras vigentes para o setor privado (Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989), no que couber, até regulamentação do dispositivo constitucional (artigo 37, inciso VII, da CF).
Propostas
No início dos debates, o ministro Luiz Fux apresentou propostas para uma solução concreta nos casos em discussão. Ele sugeriu a conjugação do dispositivo constitucional com o artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que admite a aplicação do direito comparado, quando da existência de lacuna legislativa.
Nesse sentido, ele citou que uma recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a extinção da relação de trabalho sugere o direito a um aviso prévio razoável ou a uma indenização compensatória.
O ministro Luiz Fux relatou, neste contexto, experiências da Alemanha, Dinamarca e Suíça, onde o aviso prévio pode chegar a entre três e seis meses, dependendo da duração do contrato de trabalho e da idade do trabalhador; na Itália, pode chegar a quatro meses.
Já o ministro Marco Aurélio sugeriu que, além do direito a aviso prévio de 30 dias, sejam acrescentados 10 dias por ano. Assim, ao cabo de 30 anos – caso do autor do MI 943, demitido de seu emprego após 30 anos de serviço -, teria direito a 300 dias de aviso prévio, a serem por ele cumpridos, ou então indenizados.
O presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, sugeriu a indenização de um salário-mínimo a cada cinco anos, adicionalmente ao direito mínimo a 30 dias de aviso prévio. Por seu turno, o ministro Ricardo Lewandowski observou que há um projeto do senador Paulo Paim (PT-RS) em tramitação no Congresso Nacional.
Essas propostas, entretanto, esbarraram na objeção do ministro Marco Aurélio, segundo o qual elas não guardam a proporcionalidade prevista no artigo 7º, inciso XXI, da CF.
Parâmetros
Ao sugerir a suspensão dos debates para aprofundar os estudos sobre o tema, o ministro Gilmar Mendes observou que qualquer solução para os casos concretos hoje debatidos acabará se projetando para além deles. “As fórmulas aditivas passam também a ser objeto de questionamentos”, afirmou, ponderando que o Poder com legitimidade para regulamentar o assunto é o Congresso Nacional.
(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=182667)
[2] Veja extrato do julgamento publicado no site do STF: “Decisão: Após o voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator), julgando procedente o mandado de injunção, foi o julgamento suspenso, devendo prosseguir para a explicitação do seu dispositivo final. Ausentes a Senhora Ministra Ellen Gracie, em participação no World Justice Forum III, em Barcelona, na Espanha; o Senhor Ministro Joaquim Barbosa, licenciado, e o Senhor Ministro Dias Toffoli, justificadamente. Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 22.06.2011.”