A tecnologia e o renascimento das organizações sindicais

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Uso da mídia social está tomando o lugar das reuniões no chão de fábrica por meio da chamada ‘ação conectiva’

Publicado por The Economist, em o Estado de São Paulo

“Se pararem de funcionar, vamos atingi-los onde mais dói”, disse com um sorriso o jovial alemão Jörg Sprave, mas sem dúvida falando seriamente. Se o Google, proprietário do YouTube, não se mexer, ele convocará uma greve.

Sprave dirige o The Slingshot Channel, que tem dois milhões de assinantes. E é fundador do YouTubers Union, com mais de 16 mil membros. Ele criou essa organização em março, depois de o YouTube parar de exibir anúncios junto com muitos dos seus clipes e os de outras pessoas, após pressão das anunciantes. O que causou uma queda na sua renda de US$ 6,5 mil para US$ 1,5 mil ao mês. A principal demanda do grupo é conter a “desmonetização”.

É fácil achar que ele é um sujeito irascível. Seu canal tem uma tênue linha que separa a galhofa da loucura por armas. Aderir ao seu sindicato é simples, basta se inscrever num grupo do Facebook e é improvável que outros membros seguirão seu apelo para tirarem seu conteúdo do YouTube se o site não se curvar ao que eles querem. Mas o sindicato dos YouTubers simboliza um novo estágio na interação entre o avanço tecnológico e o poder da união. Os sindicatos há décadas vêm sofrendo um declínio no mundo rico, em especial por causa das mudanças tecnológicas. E hoje a tecnologia, da mídia social à inteligência artificial, pode ajudar no retorno do trabalho sindicalizado.

O fosso sindical

Uma renascença do sindicalismo era considerada improvável. Antes de meados do século 19, quase nenhum trabalhador era sindicalizado. Depois, a industrialização e a urbanização aproximaram os trabalhadores, oferecendo uma oportunidade para se organizarem e uma razão para negociarem salários e condições de trabalho. Nos Estados Unidos, a adesão aos sindicatos, que era de 10% em 1915, chegou a um pico de 30% em 1950.

O rápido declínio da sindicalização pegou todos de surpresa. Nos países ricos, a queda foi drástica. Somente um em cada dez trabalhadores na ativa está sindicalizado hoje. A taxa média de adesão nos países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) caiu de 50%, no início dos anos 1980, para 18%.

Existem muitas explicações para a ascensão e queda dos sindicatos. Algumas teorias destacam o papel das leis mais restritivas. Os primeiros julgamentos legais sobre sindicatos nos EUA seguiram a lei inglesa, que os definia como conspirações criminosas, cujo objetivo era elevar preços e coibir o comércio. O clima legal com relação às uniões sindicais gradativamente ficou mais amistoso, até que, no final do século 20, a lei mudou novamente. Nos anos 1980, seguindo a liderança de Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha, e de Ronald Reagan, nos EUA, os governos começaram a combater as greves, as práticas de trabalho restritivas e as demandas inflacionárias no caso dos salários, aprovando leis que limitavam enormemente os poderes dos sindicatos.

O florescimento e a dissipação da “consciência de classe” é outra explicação dada por historiadores, mas é difícil avaliar esse dado. Outra teoria, que desfruta de algum respaldo empírico, é que o Estado eliminou a necessidade dos sindicatos ao fazer o trabalho deles. Muitos países ricos hoje garantem um salário mínimo. Em muitos lugares, os direitos dos trabalhadores estão consagrados em lei e ampliados para incluir outras prerrogativas, como licença maternidade e auxílio-doença.

Mas essa ascensão e queda da organização sindical seguiram um padrão similar em tantos países que uma explicação estrutural, com a mudança tecnológica no seu âmago, é a mais convincente. A tecnologia conduziu a escalada do capitalismo industrial em meados do século 19 e mudou as tendências do emprego. À medida que um sistema mais formal se tornou norma nas fábricas e minas, os trabalhadores passaram a ser agrupados, o possibilitou uma maior organização entre eles.

Transformação

Nos últimos 30 anos, as mudanças tecnológicas levaram os sindicatos a quase desaparecerem. O custo de coletar e processar a informação caiu, tornando mais fácil medir a produção de trabalhadores individuais. Nos EUA, a porcentagem de empregos com o salário relacionado ao desempenho subiu de 30%, nos anos 1970, para mais de 40% na década de 1990. Se o salário corresponde à produção pessoal, os empregados podem entender que é melhor aplicar suas energias trabalhando mais duro do que aderir a sindicatos.

Nos países ricos, em setores de capital intensivo, como manufatura e mineração, a base da sindicalização encolheu, substituída pelo setor de serviços, que intrinsecamente é menos acolhedor a sindicatos. Hoje, as economias ricas dependem mais de “intangíveis”, como software e patentes. É mais fácil mudar um call-center para um local diferente, até um novo país, do que um estaleiro. Os trabalhadores, satisfeitos com o fato de seu emprego ainda existir, não irão negociar por outras coisas mais.

No entanto, o apoio ao sindicato vem aumentando novamente. E a tecnologia pode, de novo, ter um papel central nesse renascimento – particularmente nos EUA, onde ativistas buscam novas maneiras criativas para organizar os trabalhadores em sindicatos.

O uso da mídia social está tomando o lugar das reuniões no chão da fábrica por meio da chamada “ação conectiva”. Facebook, Reddit e WhatsApp, e outras ferramentas como Hustle, serviço de texto, permitem a grupos de trabalho realizarem três coisas: coletar informação, coordenar os trabalhadores e informar sobre campanhas para o mundo em geral.

Primeiro a informação

Embora trabalhem de modo independente, muitos motoristas do Uber são ativos nesses grupos e outros fóruns online. Com frequência, o Uber testa novos programas do seu aplicativo com um pequeno grupo de motoristas.

Trocar experiências também é um costume generalizado entre os usuários das plataformas de crowdsourcing como Mechanical Turk e Freelancer, onde a mão de obra digital é negociada. Dos 658 trabalhadores online na África Subsaariana e no Sudeste Asiático entrevistados por Mark Graham e seus colegas da Oxford University, 58% disseram estar em contato digital com outros trabalhadores pelo menos uma vez por semana, principalmente na mídia social. Eles normalmente discutem como desenvolver uma carreira online e evitar fraudes, e também sobre valores a cobrar pelos trabalhos e como reparti-los.

A lógica da ação ‘conectiva’

Quanto ao segundo objetivo, a coordenação, sem as ferramentas digitais as greves de professores em Virgínia Ocidental e em outros Estados americanos este ano não teriam o sucesso que tiveram, explica Jane McAlevey, organizadora e autora de vários livros sobre os sindicatos. Na Virginia Ocidental os professores criaram um grupo no Facebook aberto apenas para colegas convidados. Quase 70% dos 35 mil professores se cadastraram. O grupo se tornou o centro de discussões sobre o que exigir e como organizar os protestos.

A greve dos professores em Virgínia Ocidental é um bom exemplo do terceiro objetivo: fazer correr a voz. O grupo do Facebook se tornou uma fábrica de hashtags e memes, imagens ou videoclipes memoráveis que viralizaram.

Mas serviços como o Facebook e WhatsApp não foram projetados para o ativismo em massa. O que significa que eles têm limitações. Carecem de instrumentos para extrapolar a discussão para debater formas de organizar. O WhatsApp limita o tamanho dos grupos que trocam mensagens. E eles também estão sujeitos à desinformação e ao trolling.

Como resultado, os ativistas começaram a desenvolver serviços digitais especificamente para grupos de trabalhadores. O Coworker.org é um exemplo. Criado em 2013, o site ajuda os trabalhadores a condensarem suas demandas em uma petição e as difundirem na mídia social. Hoje, o serviço é usado pelos empregados de mais de 50 empresas. No caso do Starbucks, ele se tornou uma espécie de sindicato. Mas de 42.000 pessoas em 30 países estão conectadas por meio do serviço.

Mão de obra reorganizada

Por muito tempo, a Coworker.org era um exemplo isolado. Mas recentemente serviços similares surgiram copiando o enfoque da startup e desagregando os papéis dos sindicatos oficiais. Estas startups estão separando as várias funções dos sindicatos numa série de alternativas digitais discretas. Deste modo, uma nova safra de ativistas vem mudando a maneira de os trabalhadores se organizarem.

Em seguida é preciso buscar meios de obter dinheiro para financiar as atividades. A Independent Workers Union da Grã-Bretanha recorreu ao crowdfunding (financiamento coletivo) para pagar suas ações na Justiça. O website americano TurkerView, que coleta e exibe grátis resenhas dos clientes que postam empregos no Mechanical Turk, está pensando em criar um serviço especial que cobrará uma tarifa dos usuários que desejam acesso automatizado rápido aos seus dados.

Muitos projetos incipientes dependem de doações de filantropos, fundos de investimento voltados para a mídia social e fontes similares. Não há muita certeza de onde virá o capital que permitirá que esses serviços cresçam. Além disto, eles não possuem a situação legal e o poder político dos sindicatos convencionais, sublinha David Rolf, do Service Employees International Union. As startups precisam do suporte dos sindicatos existentes para se tornarem uma força. O resultado seria melhor se grupos tradicionais e sindicatos convencionais se unissem, diz Ayad Al-Ani, do Alexander Von Humboldt Institute for Internet and Society. Os sindicatos se tornariam provedores de serviços para grupos auto-organizados, ajudando-os com assessoria legal e lobby.

Sites das centrais sindicais CTB (Central de Trabalhadores e Trabalhadores do Brasil) , CUT ( Central Única dos Trabalhadores) e Força Sindical / Foto: Carolina Maria Ruy

O mundo digital foi adotado por alguns sindicatos. Preocupado com a ascensão do trabalho terceirizado, o igMetall, o maior sindicato da Alemanha, agora permite que trabalhadores autônomos façam sua adesão. Em 2015, lançou também um site para comparar as condições nas diferentes plataformas de crowdworking, chamado Fair Crown Work.

Alguns sindicatos até criaram unidades dedicadas à inovação. Como o hkLab, lançado há um ano pelo National Union of Commercial and Clerical Employees, o maior sindicato da Dinamarca. Os experimentos incluem um chatbot (programa de computador que simula um ser humano conversando com as pessoas) e um centro de serviços para freelancers. A National Domestic Workers Alliance, nos Estados Unidos, opera o Fair Care Labs, serviço que visa a melhorar as condições de trabalho de grupo de babás, cuidadoras e faxineiras. E logo vai lançar o Alia, um serviço de benefícios ao trabalhador. Os clientes fazem um pagamento voluntário de US$ 5 por cada trabalho realizado, o que permite a um faxineiro ter um seguro e folga paga.

Dados

Por mais promissores que sejam esses projetos, não conseguiram fazer com que o trabalho sindicalizado retome seu poder de negociação de outrora. Mas o movimento laboral digital até agora vem provando que a informação e os dados são cada vez mais poderosos. A Coworker.org usou pesquisas online para confirmar que Uber tinha novamente cortado o preço das corridas em todo o país e com a medida reduziu a remuneração dos motoristas.

Talvez o melhor exemplo do poder dos dados até agora seja o do aplicativo Mystro para motoristas de serviços de táxi, como o Lyft e o Uber. Ele permite uma troca fácil entre os serviços, avalia a solicitação de viagem e rejeita as que não são lucrativas e monitora todos os tipos de informação que vão ajudar o motorista a tomar a melhor decisão.

Mas, no momento os sindicatos, estão fragilizados. A participação do trabalhador continua caindo. No entanto a sua história mostra que o poder relativo do trabalho e do capital está em constante transformação. As últimas décadas foram difíceis para o trabalho sindicalizado por causa das mudanças tecnológicas. Mas a tecnologia também será aquilo que vai mudar a sua sorte.

Fontes: The Economist   O Estado de São Paulo