Valor Econômico
Por Ligia Guimarães | De São Paulo
Nos últimos anos, o número de brasileiros vivendo no exterior caiu em alguns dos destinos mais tradicionais. De 2011 para 2013, a comunidade brasileira residente no Japão diminuiu de 230 mil para 181 mil; baixou de 1,4 milhão para 1 milhão nos Estados Unidos, e de 111,4 mil para 92,1 mil em Portugal. Embora não haja estatísticas comprovando que todos esses emigrantes tenham voltado ao Brasil definitivamente, há indicações de que o movimento de retorno à terra natal cresceu expressivamente desde 2007.
Especialistas em fluxos migratórios e o próprio Ministério das Relações Exteriores alertam para um fenômeno que até há pouco tempo era praticamente invisível no radar da criação de políticas públicas: o crescente número de brasileiros que, após anos morando no exterior para trabalhar, voltam ao Brasil em busca de oportunidades.
A preocupação atual do governo é impedir que, sem apoio ou orientação para se reintegrarem ao mercado de trabalho brasileiro, muitos desses retornados acabem indo embora novamente, por falta de opção. “É o que mais nos preocupa: temos o fenômeno da reimigração”, disse ao Valor a ministra Luiza Lopes da Silva, responsável pela subsecretaria-geral das comunidades brasileiras no exterior do Itamaraty, que mantém contato frequente com residentes e consulados fora do país. “O problema é quando ele emigra em situação de vulnerabilidade uma segunda vez, por exemplo, pagando um coiote, contraindo uma dívida”, diz a diplomata.
Na visão de Luiza, o brasileiro retornado tem menos apoio público, por exemplo, que os imigrantes estrangeiros que chegam para tentar a vida no Brasil, como haitianos e bolivianos. “Os estrangeiros têm canais. Chegam, gritam a palavra ´refúgio´ e imediatamente estão cobertos por uma rede de apoio. A Polícia Federal dá um visto, ele recebe a carteira de trabalho e as empresas já passam a recrutá-lo. O brasileiro não, ele chega no aeroporto e não tem nada que possa gritar por socorro”, exemplifica.
“Ele terá que, sozinho, encontrar algum empregador que dê valor ao seu trabalho. E em geral ele perdeu contatos”, diz Luiza, que afirma que mesmo as comunidades de brasileiros organizadas no exterior rapidamente se dissipam quando voltam para o Brasil, o que dificulta que suas demandas sejam detectadas e atendidas. “O brasileiro no exterior é uma minoria, tende a se unir. Já o brasileiros que retornam estão espalhados pelo Brasil; não terá meia dúzia de retornados unidos para fazer uma demanda para o governo estadual, ou federal”, diz.
Outro obstáculo à readaptação, segundo Luiza, é o alto índice de analfabetismo dos brasileiros retornados. “No Brasil, bem ou mal, todo mundo vai à escola. Mas os imigrantes que saíram muito cedo do Brasil largaram a escola, e no exterior se dedicaram a trabalhar em três turnos, sem inspiração ou disposição para estudar. Como ele saiu do Brasil ele voltará, dez ou quinze anos depois”, diz.
Opinião similar tem a professora Sueli Siqueira, doutora e especialista em território, migração e cultura da Universidade Vale do Rio Doce, em Governador Valadares, e que pesquisa há anos o retorno de brasileiros dos Estados Unidos e Portugal.
Ela diz que o emigrante que retorna após muitos anos encontra, de novo, todas as dificuldades que enfrentou ao sair do país. “Para a maioria o retorno é uma parte muito difícil, inclusive no aspecto psicológico”, afirma Sueli. “O grande problema atual é que as pessoas voltam sem muito capital. Muitos até perderam a casa por causa da crise imobiliária. Voltam querendo entrar no mercado de trabalho, o que é mais difícil”.
Para Duval Fernandes, pesquisador do grupo de estudos da distribuição espacial da população pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), não existem políticas públicas específicas para atender aos brasileiros retornados. O que há, afirma, são ações pontuais e voltadas para determinados segmentos. A ministra Luiza, do Itamaraty, concorda. “Nós [o Ministério das Relações Exteriores] somos o único órgão que tem essa visão de raio-X sobre o retornado. Temos esperança de vir a conseguir sensibilizar os órgãos competentes para isso”, afirma, citando como possibilidades o Ministério do Trabalho, o do Desenvolvimento social.
A crise financeira internacional, que cortou empregos em massa nos destinos mais tradicionais na emigração de brasileiros, foi o grande gatilho para essa virada no fluxo migratório, na visão dos especialistas: desde 2008, ficaram mais restritas as ofertas de trabalho e a possibilidade de ganhar muito dinheiro no exterior.
Para se ter uma ideia, entre 1990 e 2000, retornaram ao Brasil do exterior 187 mil pessoas. O fluxo aumentou entre 2000 e 2010, quando voltaram 298 mil pessoas ao país, de acordo com dados dos últimos Censos (2000 e 2010) realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e analisados pelo pesquisador especialista em fluxos migratórios Fernando Braga, do Instituto Federal de Minas Gerais.
Nos dados do Censo de 2010, que já refletem um pouco do mundo pós-crise, os brasileiros retornados correspondiam a 65% do total dos imigrantes internacionais, ante participação de 61,2% na pesquisa de 2000. “Isso é surpreendente porque a tendência que estava se desenhando desde 1980 era o saldo migratório caminhar para ficar negativo, ou seja, a gente mandar mais gente ao exterior do que receber. Talvez o evento mais forte dessa crise tenha sido a gente frear a mudança no saldo migratório. Desde que fomos colônia de Portugal nosso saldo migratório é positivo, sempre chega mais gente do que sai”, diz Braga.
O Ministério das Relações Exteriores estima que, de 2007 para cá, voltaram 500 mil brasileiros que moravam no Japão, Estados Unidos, Portugal, Espanha, e Paraguai. Tudo, na verdade, são estimativas. Não há números exatos porque, quando um viajante entra no Brasil, não há controle da Polícia Federal sobre a motivação da viagem: se é um turista que veio ficar poucos dias ou um emigrante que voltou.
Para Sueli Siqueira, a novidade recente no fluxo migratório brasileiro é o movimento de circularidade, – sem tendência predominante de entrada ou saída. Os brasileiros encontraram oportunidades em destinos ao redor do mundo e levaram para lá familiares e amigos, o que expandiu as redes de contato migratórias para além dos EUA, Portugal e Japão. “Hoje você não tem mais um fluxo predominante, fluxo de saída, por exemplo. Continua existindo, mas agora recebemos os imigrantes e os retornados. As pessoas estão circulando pelos países que oferecem melhores oportunidades”, diz. (Colaborou Vanessa Jurgenfeld, de São Paulo)
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