Alta renda costuma se aposentar por tempo de contribuição
A fixação de uma idade mínima para se aposentar afetará, principalmente, brasileiros com renda mais alta. Isso porque, na prática, quem ganha menos costuma se aposentar por idade. Segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as mudanças mais profundas serão sentidas por aqueles elegíveis à aposentadoria por tempo de contribuição, que exige mais anos de emprego formal, sendo, dessa forma, mais requerida por brasileiros em faixas mais altas de renda.
Pelo balanço mais recente do Ministério da Previdência, a média dos benefícios concedidos para aposentados por tempo de contribuição foi de R$ 1.819,34 em outubro — mais que o dobro da média de R$ 887,85 do benefício de quem se aposentou por idade. O valor é considerado uma boa aproximação do perfil de renda de cada grupo, já que a contribuição é calculada com base nos rendimentos da ativa.
Para requerer a aposentadoria por idade, é preciso ter pelo menos 65 anos (homens) ou 60 anos (mulheres), além de 15 anos de contribuição. Hoje, a aposentadoria por tempo de contribuição não tem idade mínima. A exigência é ter contribuído por 35 anos (homens) ou 30 anos (mulheres).
Contribuir para o INSS, no entanto, é raro entre os brasileiros de menor renda. Segundo o pesquisador Rogério Nagamine, do Ipea, apenas 12,8% dos que ocupam a parcela mais pobre da população contribuem para a Previdência. Isso se explica pelo alto índice de informalidade.
Um dos estudos do Ipea sobre o assunto, de Nagamine e Graziela Ansiliero, mostra que aposentados por tempo de contribuição dão entrada no benefício com 54,9 anos. Em outro levantamento do órgão, técnicos indicam que 63% dos aposentados precocemente (homens antes dos 60 e mulheres antes dos 55 anos) estão entre os 40% mais ricos.
Em um dos textos, publicado em novembro deste ano, Nagamine e Graziela resumem o cenário da Previdência: “Mais concretamente, há idade mínima para os trabalhadores urbanos de menor rendimento e não há para aqueles de maior rendimento.”
A reforma atinge em cheio a parcela mais pobre, no entanto, ao permitir que benefícios da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), pagos a deficientes e idosos de baixa renda, fiquem abaixo do salário mínimo. O acesso também ficará mais restrito: a idade mínima, que já existe nesses casos, subirá de 65 para 70 anos, pela proposta do governo.
— A desvinculação é o que mais vai afetar os mais pobres — avalia o economista Pedro Nery.
31 MILHÕES NA ATIVA DESDE CEDO
Outro efeito da reforma é o prolongamento do tempo de trabalho para quem está na ativa há muito tempo. Quase dois quintos dos ocupados entre 15 e 50 anos (39%) entraram no mercado com até 14 anos. São 31,483 milhões de pessoas que precisarão trabalhar por cerca de meio século, de acordo com as novas regras. Ao todo, há 80,7 milhões de ocupados nessa faixa etária.
Mesmo entre os mais jovens — de 15 a 29 anos — a parcela de entrada precoce no mercado frente ao total de ocupados nessa faixa etária é considerada elevada, de 28,4%, ou 8,3 milhões de pessoas. No grupo de 30 a 50 anos, a fatia é de 45,01% (23,150 milhões de pessoas). No caso daqueles acima dos 60 anos, o percentual dos que começaram a trabalhar antes dos 14 anos é de 67,7%, ou 5,603 milhões de pessoas.
Os números são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, e incluem apenas as pessoas ocupadas em setembro de 2015.
Para especialistas, isso mostra que os brasileiros ainda entram cedo no mercado, apesar dos avanços nos últimos anos. Mas, como o país vive uma trajetória de envelhecimento, será preciso encarar a realidade da aposentadoria mais tarde. Pelas projeções das Nações Unidas, a parcela de idosos na população brasileira (11,7% em 2015) vai dobrar em 24,3 anos.
Mesmo começando cedo, a maior parte dos trabalhadores continua no mercado após se aposentar, o que sugere que ainda têm capacidade de trabalho. Em 2015, 53,8% dos idosos (acima de 60 anos) ocupados também recebiam aposentadoria.