Além de altos rendimentos de servidores, sistema arrecada menos impostos a PJ
Uma tabela apareceu recorrentemente na timeline das minhas redes sociais, compartilhada tanto por amigos de direita quanto por esquerdistas. Trata-se da compilação de um documento da Receita Federal contendo as 15 ocupações com as maiores rendas médias anuais de acordo com a declaração de Imposto de Renda Pessoa Física de 2013.
No primeiro infográfico, há ranking atualizado com os últimos dados disponíveis (2016) e expandido para as 20 categorias com maiores rendimentos.
O principal motivo para a indignação que uniu os defensores do Estado mínimo aos seus adversários que pregam contra a “casta judicial que condenou Lula sem provas” é o fato de que a lista é dominada por categorias do funcionalismo público.
Eles têm razão na revolta. Sindicatos de algumas carreiras públicas vêm atacando com voracidade o Orçamento para assegurar rendimentos que são, na imensa maioria, muito superiores ao seu retorno para a sociedade.
O gráfico, portanto, é um retrato do processo de caça à renda (rent seeking) levado a cabo diuturnamente pela elite do funcionalismo público.
O problema é que ele só conta uma parte da história: uma outra elite, esta no setor privado, também se usa habilmente de mecanismos de concentração de renda.
Se o rent seeking dos servidores consiste em ameaçar a cúpula dos Poderes para aprovar projetos de lei ou obter decisões judiciais concedendo-lhes aumentos salariais e toda sorte de penduricalhos, categorias do setor privado se valem do sistema tributário e da legislação trabalhista para pagar bem pouco imposto.
Trata-se das incríveis vantagens da “pejotização” (Pessoa Jurídica), principalmente quando combinada com os regimes tributários de lucro presumido e Simples e a isenção de IR na distribuição de lucros e dividendos.
Bernard Appy, ex-secretário de Política Econômica no governo Lula e atual diretor do Centro de Cidadania Fiscal, fez as contas em uma entrevista à Folha.
O mesmo profissional, prestando o mesmo serviço, contratado por R$ 30 mil brutos por mês, pode receber, líquidos, R$ 15.109 se for celetista, R$ 24.508 se constituir uma PJ tributada segundo o lucro presumido ou R$ 26.563 se for uma PJ no Simples. “Aqui há um problema distributivo claríssimo”, afirmou Appy.
Para jogar um pouco de luz nesse “lado escuro da Lua” da tributação de pessoas físicas no Brasil, dados revelam algumas constatações.
A primeira delas é que esse sistema deve realmente valer a pena, pois o número de pessoas que adere à pejotização, principalmente em categorias de maior qualificação profissional, cresceu em dez anos.
É verdade que muitas vezes a opção pela pejotização é uma imposição do empregador, que busca aliviar sua folha de pagamentos, acarretando até mesmo a precarização do trabalho.
Mas também é inegável que diversas categorias têm pressionado o Legislativo em busca da extensão de hipóteses de adesão aos sistemas de lucro presumido ou ao Simples.
O problema desses regimes é que o ganho da empresa é arbitrado abaixo da realidade. Desse modo, o sócio ganha duplamente: sua empresa paga bem menos imposto, e ele pode distribuir o lucro excedente para si próprio, de forma totalmente isenta.
A característica notável desse sistema é que ele gera injustiça: profissionais semelhantes são tributados de modos muito díspares em função do regime contratual e tributário.
Ao beneficiar com impostos menores quem já se encontra no topo da pirâmide, a pejotização agrava a desigualdade.
Assim, se refizermos o ranking das 20 categorias com maiores rendimentos do Brasil levando em conta a pejotização, vamos verificar que jornalistas, médicos, engenheiros, executivos e advogados constituídos em PJs disputam os postos mais altos com a nata dos servidores públicos —com a diferença de que pagam significativamente menos IR.
A conclusão desta história não deve servir para rebater críticas aos inúmeros privilégios do funcionalismo, os quais me beneficiam diretamente. Os números demonstram que do outro lado também há um sistema criado para beneficiar a elite privada.
E, no meio das duas engrenagens concentradoras de renda, subsiste uma imensa massa de brasileiros que sustenta em suas costas um Estado inchado, mas sem ter acesso às brechas tributárias que jogam sobre si também a carga dos mais ricos.