Vice-presidente da corte já fez proposta em cinco acordos entre 15 entidades e empresas.
William Castanho e Joana Cunha
A vice-presidência do TST (Tribunal Superior do Trabalho) tem estimulado, em acordos coletivos, sindicatos e empresas a impor o desconto de meio dia da jornada dos trabalhadores como uma alternativa para irrigar o caixa de entidades de representação de categorias.
Com o fim do imposto sindical obrigatório, referente a um dia de trabalho recolhido em março, a chamada cota negocial foi criada em acordo coletivo da Vale e do STEFEM (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias dos Estados do Maranhão, Pará e Tocantins).
Agora, o ministro Renato de Lacerda Paiva, vice-presidente do TST, tem sugerido a sindicatos e empresas que instituam esse desconto.
Após a reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, o imposto sindical, porém, deixou de ser obrigatório. O recolhimento somente é permitido com a aceitação expressa do trabalhador.
As entidades sindicais reclamam da queda na arrecadação. No STF (Supremo Tribunal Federal), 19 ações pedem a volta da contribuição obrigatória e serão julgadas na quinta-feira (28).
Paiva propôs ou homologou acordo coletivo com a cota negocial em dissídios –quando as partes acionam a Justiça para eliminar um impasse– de cinco empresas: Vale, Casa da Moeda, Embrapa, Infraero e CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos).
No total, 15 sindicatos e federações estão envolvidos nessas negociações. Os trabalhadores da Casa da Moeda, por sua vez, negaram a proposta por julgá-la insatisfatória.
O TST, em nota, afirma que “tem procurado sugerir a cota negocial” às partes. “Esse acordo [Vale e STEFEM] institui a cota negocial como um meio de solucionar o problema do custeio dos sindicatos.”
Questionado sobre possível conflito com as ações no STF, o TST diz que os processos à espera de julgamento na corte “tratam do fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, e a cota negocial firmada nos acordos não a substitui”.
“Trata-se de uma espécie de retribuição ao sindicato por parte de todos os empregados que são beneficiados pelo acordo, sejam eles sindicalizados ou não”, afirma o TST.
Mayra Palópoli, advogada trabalhista do Palópoli & Albrecht Advogados, diz que, apesar da função social da Justiça do Trabalho, o ministro exacerba sua atuação. “É o sindicato que deveria pleitear isso [a cota negocial].”
Ela diz que esse instrumento é contrário à reforma trabalhista. Palópoli ainda afirma que a proposta do TST abre precedente para que seja seguida por TRT (Tribunais Regionais do Trabalho).
O professor de direito do trabalho da USP (Universidade de São Paulo) e sócio do escritório Siqueira Castro Otávio Pinto e Silva afirma que o ministro tem a função de conciliar e julgar, mas, para ele, os acordos inovam no ordenamento jurídico.
“É lógico que é uma maneira de dar uma interpretação que contorna o texto da reforma”, afirma Silva.
Segundo ele, o objetivo do legislador ao aprovar a reforma trabalhista foi evitar que sindicatos tivessem uma fonte de receita no imposto sindical. “A cota negocial retira da esfera individual a decisão sobre a contribuição”, diz.
O trabalhador, no entanto, pode se opor ao recolhimento. Para isso, ele deve se manifestar pessoalmente contra o desconto do meio expediente de trabalho 20 dias antes da realização do desconto. A cota negocial é recolhida dois meses após firmado o acordo.
Apesar da tentativa de dar sustentabilidade aos sindicatos, a solução ainda tem pontos que dividem a opinião dos dirigentes das entidades.
O Sindicato Nacional dos Moedeiros —que reúne os trabalhadores da Casa da Moeda— preferiu abrir mão da oportunidade de ganhar meio dia de trabalho e apostar na chance de retorno do imposto sindical como era antes da reforma, com o recolhimento do valor de um dia completo.
“Na proposta do nosso acordo coletivo, em assembleia, nós decidimos. O ministro tinha proposto isso. Com todo o respeito e carinho, nós rejeitamos. Preferimos correr até o risco de, lá na frente, não conseguir [a volta do imposto sindical], mas a gente acredita”, diz Aluízio Júnior, presidente do sindicato.
Júnior afirma que o incomodou, na sugestão do TST, a possibilidade de que parte dos trabalhadores se manifeste contra o desconto.
“O que eu vi no caso da Vale é que os trabalhadores que são associados ao sindicato não poderiam retirar [a contribuição]. Quem tinha o direito a oposição era o não associado. Aí, daqui a pouco, a pessoa vai achar que vale mais a pena se desassociar do sindicato”, afirma Júnior.
A alternativa de receita é vista com bons olhos por outros sindicatos.
“É um dinheiro que entra para a sustentabilidade, mas a gente não faz disso algo que seja extremamente importante para o financiamento. Ninguém vai abrir mão de nenhum tipo de financiamento sindical”, afirma Jerônimo Miranda Netto, coordenador-geral do FITF (federação de trabalhadores ferroviários da CUT).
Entenda a cota negocial
Quanto é – Equivale a meio dia de trabalho
Quando é descontado – Uma vez por ano, geralmente 2 meses após a homologação do acordo
Quem paga – Todos os trabalhadores da empresa e sindicatos envolvidos no acordo
Como negar – O trabalhador pode se negar a pagar, mas deve fazer oposição pessoalmente 20 dias antes da notificação