As indústrias que mantêm funcionários em atividades consideradas perigosas e insalubres, ao mesmo tempo, correm o risco de ter que pagar os dois adicionais. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) têm decidido que é possível cumular os benefícios, já que não há essa proibição na Constituição Federal. Até então, a jusrisprudência estava consolidada em sentido contrário, seguindo o que determina a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Ainda cabe recurso dessas decisões. Contudo, se confirmadas, podem trazer um impacto grande à folha de pagamento das empresas, principalmente dos setores de agronegócio, químico e metalúrgico. Isso porque o trabalho em condições perigosas assegura ao empregado um adicional de 30% sobre o salário, segundo a CLT. Em condições insalubres, esse acréscimo pode ser de 10%, 20% ou 40% do salário mínimo.
Em um caso julgado na semana passada pela 7ª Turma do TST, os ministros foram unânimes ao conceder a cumulação dos adicionais para um ex-empregado da Amsted Maxion Fundição e Equipamentos Ferroviários. Segundo o advogado do trabalhador, André Marcolino de Siqueira, do AMS-ALMS Advogados Associados, ele trabalhava como moldador de equipamentos ferroviários e estava exposto tanto a produtos inflamáveis – como álcool e tinta -, que dão direito ao adicional de periculosidade, como a ruídos, que justificam o pagamento do adicional de insalubridade. “Ele, no entanto, não recebia nenhum dos adicionais. Por isso, entrou na Justiça”, diz.
Ao analisar o caso, o relator, ministro Cláudio Brandão, entendeu que o parágrafo 2º do artigo 193 da CLT que prevê a não cumulatividade dos adicionais não foi recepcionado pela Constituição de 1988. O artigo descreve as atividades ou operações perigosas e o parágrafo 2º afirma que “o empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido”. Já o inciso XXIII, do artigo 7º da Constituição garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva quanto à cumulação.
A cumulação dos adicionais, segundo o ministro, não implica pagamento em dobro, pois a insalubridade diz respeito à saúde do empregado enquanto a periculosidade “traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger”.
De acordo o advogado André Siqueira, decisões como essa são raríssimas no TST. “Acredito, porém, que há uma tendência em mudar a interpretação que até agora era contra a cumulação dos adicionais”, diz. No caso, o empregado que atuou na empresa de 2004 até julho de 2009, deverá receber, de acordo com o advogado, os 30% do adicional de periculosidade e 20% do adicional de insalubridade sobre o período trabalhado. “Vamos usar esse caso como precedente nos nossos outros pedidos.”
Procurado pelo Valor, o departamento jurídico da Amsted Maxion Fundição e Equipamentos Ferroviários informou, por meio de nota, que “a empresa ainda não foi intimada acerca do inteiro teor da decisão. Contudo adianta que não se trata de uma decisão definitiva”.
Também na semana passada foi publicada uma decisão do ministro Emmanoel Pereira, da 5ª Turma, que concedeu os adicionais para um ex-empregado da Citrosuco. Segundo o advogado do trabalhador, Miguel Telles de Camargo, ele teve duas funções: operava empilhadeira para abastecer câmaras frias com maçãs e trabalhava na reforma de carretas de transportes, em contato com óleo, graxa, tintas e vernizes, o que justificaria o pagamento de adicional de insalubridade. Contudo, ele só recebia o de periculosidade, por entrar e permanecer em áreas de risco. E mesmo assim, segundo o advogado, o cálculo do adicional era feito de forma incorreta.
Na decisão, o ministro afirma que se filia à corrente que tem entendimento da possibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e de insalubridade. “Não há o menor sentido continuar-se dizendo que o pagamento de um adicional quita a obrigação quanto ao pagamento de outro adicional. Se um empregado trabalha em condição insalubre, por exemplo, ruído, a obrigação do empregador de pagar o respectivo adicional de insalubridade não se elimina pelo fato de já ter este mesmo empregador pago ao empregado adicional de periculosidade pelo risco de vida que o impôs”, diz no acórdão.
A decisão ainda ressalta que “a possibilidade do recebimento cumulado de tantos adicionais quantos forem os agentes a que estiver exposto favorece o surgimento de meios que estimulem o empregador à melhoria das condições do meio ambiente do trabalho a que está sujeito o trabalhador, fato que inclusive favorece a redução dos custos para a empresa”.
Para o advogado do trabalhador, o tema tem sido alvo de debate e já há suporte no ordenamento jurídico para o deferimento dos dois adicionais. Até porque o artigo 11 da Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) determinou a observância simultânea dos agentes de risco. Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Citrosuco informou que a empresa não comenta caso sub judice.
A formação dessa nova corrente ameaça a segurança jurídica das empresas, segundo o advogado Jurandir Zangari Junior, do Zangari Advogados. Contudo, ele afirma que esses casos podem ainda ser revertidos no TST ou até mesmo no Supremo Tribunal Federal (STF). “A Constituição é clara ao dizer que os adicionais de periculosidade, penosidade e insalubridade devem ser aplicados conforme a lei, e a CLT afirma que eles não podem ser cumulados.”