Um rombo de R$ 48 bilhões

As renúncias fiscais, principalmente decorrentes dos benefícios concedidos às empresas do Simples Nacional e às entidades filantrópicas, estão pressionando as contas da Previdência Social e levaram o Ministério a revisar para cima o déficit projetado para o ano.

Inicialmente estimado em R$ 46 bilhões, o descasamento entre receitas e despesas do regime de aposentadoria deverá superar R$ 48 bilhões em 2013.

No acumulado de janeiro a agosto, o déficit já chegou a R$ 48 bilhões, uma alta de 14,28% frente ao mesmo período do ano passado, segundo dados obtidos com exclusividade pelo GLOBO. Em dezembro, o resultado costuma ser superavitário, devido ao recolhimento da contribuição previdenciária relativa ao 13º salário, mas ainda assim não será suficiente para reduzir o déficit do ano.

O Ministério da Previdência elevou a estimativa da renúncia relativa ao Simples Nacional, depois de constatar o impacto da ampliação das novas faixas de renda do regime simplificado de tributo, que desde o início do ano passado tem permitido a inclusão de mais empresas. Para este ano, a projeção passou de R$ 13,6 bilhões para R$ 16,1 bilhões. Para 2014, a estimativa subiu de R$ 14,6 bilhões para R$ 17,6 bilhões. Em 2015, deverá chegar a R$ 19,5 bilhões.

Gastos de R$ 6 bi com aposentadorias especiais

A previsão de perda de arrecadação com as entidades filantrópicas, por sua vez, subiu de R$ 8,7 bilhões para R$ 9,1 bilhões neste ano; e de R$ 9,5 bilhões para R$ 10 bilhões em 2014. Em 2015, deverá ficar em R$ 11,3 bilhões. Com o regime diferenciado para microempreendedores, a Previdência terá uma perda estimada em R$ 415,9 milhões ainda neste ano, de R$ 460,8 milhões no ano que vem e de R$ 508 milhões em 2015.

Recentemente, o ministério detectou que o crescimento dos acidentes de trânsito também está elevando o déficit e deu início a um cruzamento de informações com dados do DPVAT (seguro de danos pessoais pago em caso de acidentes). Os pedidos de indenizações às vítimas subiram de 150 mil em 2010 para 350 mil em 2012 e, neste ano, deverão atingir 500 mil.

O volume de auxílios-doença emitido entre janeiro e agosto deste ano subiu 6,8%, de 1,301 milhão para 1,389 milhão. A alta nas aposentadorias por invalidez foi de 1,7%, de 3,046 milhões para 3,099 milhões, mas não estão incluídos nesta conta os benefícios decorrentes de acidentes no trajeto de trabalho. Outra fonte de pressão na Previdência é o aumento dos gastos judiciais com aposentadorias especiais. Os desembolsos com esse passivo já alcançaram R$ 6 bilhões entre janeiro e agosto, contra R$ 7,5 bilhões em todo o ano passado.

O secretário de Previdência Social, Leonardo Rolim, disse que será preciso rever a legislação que trata das aposentadorias especiais. Segundo ele, as regras asseguram que, se a empresa oferecer ao trabalhador equipamento de segurança adequado, ele não tem direito à aposentadoria especial. Mas esse não tem sido o entendimento da Justiça, principalmente no caso de ruídos.

— Será preciso especificar os tipos de equipamentos que evitam a exposição dos trabalhadores aos agentes nocivos — disse Rolim.

Ele destacou que, apesar dos fatores de pressão, não há uma trajetória explosiva do déficit da Previdência. Afirmou ainda que a desoneração da folha não pode ser avaliada como um fator de pressão nas contas porque o Tesouro está fazendo os repasses devidos à Previdência.

Para o economista Marcelo Abi-Ramia Caetano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mesmo com a compensação nos cofres da Previdência, do ponto de vista das contas públicas, há uma perda de arrecadação, o que vai afetar o resultado do superávit fiscal primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública). Não por acaso, o mercado estima que o superávit deverá ficar perto de 2% no ano, abaixo dos 2,3% prometidos pelo governo.

— Quando junta tudo, a transferência não faz diferença. A arrecadação como um todo está diminuindo — disse o especialista, ressaltando que, com o envelhecimento da população, a despesa da Previdência certamente crescerá.

Desoneração da folha tem impacto

De acordo com dados da Receita Federal, de janeiro a julho, o governo federal deixou de arrecadar R$ 43,7 bilhões com as desonerações. Com a folha de pagamentos, o valor passou de R$ 2,8 bilhões para R$ 7 bilhões na comparação com o mesmo período de 2012. Foi a segunda maior perda para o governo federal, atrás apenas da redução da Cide-Combustível.

Estudo dos economistas José Roberto Afonso e Gabriel Leal de Barros, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), mostra que, apenas com a desoneração da folha, a perda deve chegar a R$ 18,7 bilhões este ano e a R$ 34,8 bilhões em 2014. Barros explicou que, embora, com o passar do tempo, o Tesouro compense as perdas da Previdência, o benefício tributário contribui para um déficit, mesmo que temporário.

— A compensação não ocorre mensalmente, mas sim a cada quatro meses. Em 2012, a estimativa de renúncia foi de R$ 3,7 bilhões. O governo compensou R$ 1,8 bilhão em dezembro, deixando um resíduo de R$ 1,9 bilhão para este ano — afirmou o economista.

Ele considerou ainda que, ao ser anunciada, no fim de 2011, a política de desoneração da folha tinha o objetivo de melhorar a competitividade de setores. Com o passar do tempo, a iniciativa foi ampliada para áreas que não sofriam a concorrência de produtos estrangeiros.

— O objetivo final passou a ser o de manter o nível de emprego — disse.

Na avaliação do economista, no que diz respeito às desonerações como um todo, grande parte busca segurar a inflação e, portanto, não retornará aos cofres públicos na forma de outros tributos. Um exemplo é a redução da Cide-Combustível, que liderou a lista de reduções de tributos este ano e, até julho, custou R$ 7,5 bilhões aos cofres públicos.

— No ano passado, dos mais de R$ 45 bilhões em desoneração, só a Cide custou quase R$ 9 bilhões. É uma medida para segurar a inflação e, claramente, não voltará em receita. No caso da redução do IPI, como essa estratégia já havia sido adotada em 2009, o resultado que ela poderia trazer em termos de maior vendas de veículos não ocorreu, porque o setor já estava saturado.

Procurado, o Ministério da Fazenda preferiu não comentar o impacto das renúncias fiscais nos cofres da Previdência.