Volks é denunciada como cúmplice da ditadura em crimes de lesa-humanidade

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Documentos, provas físicas e testemunhais chegaram nesta terça-feira 22 às mãos dos procuradores do Ministério Público Federal contra a Volkswagen; multi alemã é acusada de ter colaborado diretamente com a ditadura militar brasileira; sistema de informação da empresa foi implantado por criminoso nazista Franz Paul Stangl; empresa vive inferno astral nos EUA e no Brasil

Lucio Belantani, ferramenteiro. Expedito Soares, inspetor de qualidade. Tarcísio Tadeu Garcia Pereira, instrutor de ferramentaria. Metalúrgicos da fábrica da Volkswagen, em São Bernardo do Campos, nos anos 1970, eles têm uma marca em comum: foram perseguidos, demitidos e entregues aos órgãos de segurança do regime militar brasileiro pela direção da Volks do Brasil.

Mais de 40 depois, o Ministério Público Federal recebeu, nesta terça-feira 22, em São Paulo, denúncia formal contra a multinacional alemã, por sua colaboração direta com a ditadura. É a primeira vez no Brasil que uma empresa é denunciada por associação com os crimes praticados pelo regime militar e considerados de lesa-humanidade.

A denúncia formalizada por centrais sindicais e comissões da verdade contém a informação de que o sistema de segurança e repressão interna da Volks foi montado, na fábrica de São Bernardo, pelo criminoso nazista Franz Paul Stangl. Ele comandou a área de informações da Volks do final dos anos 1950 a 1967, quando foi deportado após a confirmação de que chefiara dois campos de concentração na Polônia, durante a
Segunda Guerra Mundial, nos quais milhares de pessoas foram mortas.

Stangl foi substituído pelo coronel do exército brasileiro Adhemar Rudge, que seguiu os métodos de espionagem sobre funcionários implantados pelo antecessor.

“A Volks cometeu verdadeiras barbaridades, mas ficou impune até aqui”, disse ao BR: o presidente da Central Brasileira dos Sindicatos (CSB), Antônio Neto, um dos coordenadores da ação contra a multinacional alemã. “O trabalho do Ministério Público, a partir da farta documentação que levantamos, vai repor a verdade”.

O sindicalista Álvaro Egeia foi um dos inspiradores da ação entregue ao MPF. “A Volks ceifou carreiras, desarticulou famílias e cumpriu um papel cruel durante os anos de chumbo”, sublinhou Egeia.

Belantani, num dos casos considerados mais dramáticos, foi preso sob a mira de metralhadoras em seu posto de trabalho, espancado dentro do departamento pessoal da empresa e levado diretamente ao DOI-Codi, onde foi torturado por 45 dias seguidos, em 1972. O metalúrgico ficou preso durante dois anos mesmo sem ter sofrido qualquer tipo de condenação.
“Assim como eu, dezenas de operários da Volks foram perseguidos de forma semelhante”, contou Belantani ao BR:

PERSEGUIDO E DEMITIDO

O então metalúrgico Tarcísio Tadeu foi um deles. Integrante do comando do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo durante as históricas greves da virada dos anos 1970-1980, ele entrou para a Volks em junho de 1969. Em 1978, Tarcísio foi confinado em regime de cárcere privado dentro da fábrica, demitido sumariamente e levado da empresa sob força policial, ainda que não tivesse feito qualquer movimento de resistência.

“A Volks me espionou, perseguiu e, após me demitir sem justa causa, passou as informações que havia levantado sobre mim aos órgãos de repressão do regime militar”, lembrou Tarcísio ao BR:.

REPERCUSSÃO NO EXTERIOR

A denúncia contra a Volks já repercutiu no exterior, onde os acionistas minoritários já entraram com pedido formal, na Alemanha, para saber exatamente o que aconteceu dentro da fábrica naqueles tempos de anos de chumbo no Brasil.

“A Volks espionou, perseguiu, entregou, prendeu em cárcere privado e até deixou que violências físicas fossem praticadas dentro de suas instalações”, apontou ao MPF o advogado Modesto da Silveira, decano na defesa de presos políticos no País.

“Era uma prática de gestão, feita por uma empresa que apoiou o regime militar desde a preparação para o golpe de 1964, com dinheiro e logística”.

Em audiência no MPF, nesta terça 22, Silveira relatou que a Volks e outras empresas doavam automóveis para os órgãos de repressão agirem nas grandes capitais do País.

“Havia séries demarcadas, para que a empresa e a ditadura pudessem conferir a utilização dos carros exclusivamente pela repressão”, disse ele.

Os crimes de lesa-humanidade dos quais a Volks é acusada são imprescritíveis nos tribunais internacionais.

O caso começa a correr no Brasil, a partir da aceitação da denúncia pelo MPF, no mesmo momento em que, nos Estados Unidos, a Volks é acusada de ter burlado a legislação ambiental do País. Inferno astral para a companhia nascida, na Alemanha, durante o regime nazista, em 1937.