Por Claudia Safatle, João Villaverde e Yvna de Souza | De Brasília
A partir de hoje a remuneração da caderneta de poupança obedecerá a um gatilho: sempre que a taxa básica de juros (Selic) for igual ou menor do que 8,5% ao ano, os novos depósitos da poupança serão corrigidos por 70% da Selic. As aplicações já existentes permanecem com a regra atual de rentabilidade: juros fixos de 0,5% ao mês (6,17% ao ano) mais a variação da Taxa de Referência (TR). A TR, com Selic em 8,5% ao ano, cai para zero. O incentivo fiscal da isenção do Imposto de Renda permanecerá.
Quando a taxa Selic for superior a 8,5% ao ano – hoje ela é de 9% ao ano – a caderneta de poupança volta a ter a rentabilidade usual (juros de 6,17% ao ano mais a TR). Assim, a nova regra só entrará em vigor se o Comitê de Política Monetária (Copom) cortar a taxa Selic para 8,5%, o que poderá ocorrer já na reunião do fim deste mês.
Dessa forma, a regra de remuneração da poupança deixa de ser uma trava para a queda da taxa de juros no país. Os atuais depositantes ficam com uma pequena vantagem em relação aos novos no caso do gatilho ser acionado, o que foi feito para evitar futuras demandas judiciais. Para as novas cadernetas, a remuneração será calculada com base na Selic em vigor no dia do depósito.
A medida, engenhosa, foi anunciada no início da noite pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, após seguidas reuniões da presidente Dilma Rousseff com o Conselho Político, com os dirigentes das centrais sindicais e com um grupo de empresários ao longo de toda a tarde, no Palácio do Planalto. Dilma procurou se cercar de um amplo apoio político para mexer num tema tão delicado para o poupador brasileiro.
Os planos originais do Palácio do Planalto eram um pouco diferentes. Imaginava-se poder alterar a rentabilidade da poupança só após as eleições municipais de outubro. O cenário externo, que voltou a piorar, a demora na reação da atividade econômica doméstica e os sinais da última ata do Copom, de que os juros podem cair mais, justificam a antecipação da medida. Quem alimentava a expectativa de que a economia brasileira cresceria cerca de 1% no primeiro trimestre agora espera crescimento de apenas 0,5%.
Dos parlamentares da base aliada do governo, Dilma teve garantia de apoio à aprovação da medida provisória, publicada em edição extraordinária do Diário Oficial.
O líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), disse que a presidente “garantiu todos os diretos de todos os poupadores”. Aos políticos, Dilma disse: “Não estou aqui para vender facilidades. É um passo que tem que ser dado”, segundo relatou Alves, que concluiu: “A presidente estava muito determinada, convencida e convincente”. Na reunião do Conselho Político, ela se referiu a “três amarras” que precisam ser trabalhadas: a redução dos juros para empresas e consumidores; a valorização cambial; e a diminuição de impostos, prosseguiu o líder do PMDB. Os mesmos problemas que ela ressaltou em discurso da presidente na posse do ministro do Trabalho, Brizola Neto.
Os dirigentes sindicais também deixaram a reunião com declarações de apoio a Dilma. O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), assegurou que as centrais vão sustentar as mudanças propostas. “Achamos que não mexer nas atuais poupanças significa uma coisa positiva”, disse ele. “Somos nós, as centrais, que podemos colocar o povo na rua e, para ela, é importante ter o nosso apoio em uma medida tão sensível como essa”, disse o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah.
Os 26 empresários que estiveram com a presidente ontem também aplaudiram a iniciativa do governo de reduzir os juros, pressionar os bancos para reduzirem os spreads e pediram que a “guerra” se estenda para o alongamento do crédito, contou Joesley Batista, da JBS Friboi. “São medidas de bom senso, boas para o Brasil”, disse André Esteves, presidente do banco BTG Pactual.
O ministro Guido Mantega avaliou que os custos do crédito imobiliário tendem a cair na medida que o custo da captação da poupança diminui. Disse, também, que terão que ser feitos “ajustes” na portabilidade e que os técnicos estão estudando isso. Para o ministro, no entanto, a pressão do governo para a queda dos juros é concentrada, principalmente, nas modalidades em que considera o spread bancário (diferença entre a taxa de captação e a cobrada do tomador) elevado. Esse é o caso, segundo ele, do capital giro e crédito consignado.
Os bancos, segundo o Ministério da Fazenda, terão 30 dias para se prepararem para a mudança, tendo que operacionalizar uma segregação das contas dos poupadores entre os depósitos antigos e os que vão obedecer ao gatilho. Quando o investidor for sacar da caderneta de poupança, o banco abaterá automaticamente o saque da conta nova, que renderá menos.
(Colaboraram Edna Simão, Fernando Exman, Daniel Rittner e Andre Borges)