Estudo tem como foco norma que transfere aos trabalhadores os custos com o advogado das empresas em caso de derrota na Justiça
Por Marcelo Osakabe — De São Paulo
04/05/2022
Um dos pontos que causaram polêmica da reforma trabalhista de 2017, a regra que transfere ao trabalhador os custos com o advogado das empresas em caso de derrota na Justiça, se traduziu em uma redução da taxa de desemprego de 1,7 ponto porcentual após sua implementação, segundo estudo inédito conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo
A mudança das regras da reforma aprovada no governo Michel Temer tem sido defendido por Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato do PT à Presidência, e provocado reações negativas de apoiadores do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). Ontem um aliado do petista, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) pediu para que o ex-p
A estimativa apresentada no estudo diz respeito apenas ao efeito que a nova regra produziu sobre o mercado de trabalho – a dinâmica e o número final de criação ou destruição de empregos desde então responde a uma série de outros fatores.
“A questão é que o mundo mudou e muito desde então. Tivemos pandemia, guerra, um novo governo”, enumera Raphael Corbi, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e um dos autores do estudo, ao lado de Rafael Xavier Ferreira, Renata Narita e Danilo Paula de Souza. Ainda assim, diz, o resultado deve ter contribuído.
A reforma incluiu uma série de outras mudanças, como a criação do trabalho intermitente e o fim da contribuição sindical obrigatória. Naquele momento, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que o conjunto de medidas resultaria na criação de 6 milhões de vagas. De lá para cá, o desemprego medido pela Pesquisa Nacional por Amostra de
O impacto da mudança que obriga o trabalhador a desembolsar entre 5% a 15% dos chamados honorários de sucumbência em caso de derrota sobre o número de ações na Justiça trabalhista é um dos efeitos mais conhecidos da reforma.
O número de novos processos que chegavam às varas trabalhistas a cada ano vinha em uma tendência crescente, batendo 2,63 milhões de novas ações em 2017. No primeiro ano após a implementação da nova regra, esse número tombou para 1,73 milhão, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Segundo Alessandra Boskovic, sócia do escritório Mannrich Vasconcelos, a mudança fez com que perdesse espaço o chamado comportamento oportunista ou “processo aventureiro”.
“O trabalhador muitas vezes entrava com ação pedindo várias coisas pois não precisava pagar a sucumbência e, se qualquer uma das reclamações emplacasse, também não precisava pagar as custas processuais [devidas à Justiça]. Era como se não tivesse nada a perder.”
Em sua visão, a regra fez com que os trabalhadores passassem a ter mais consciência sobre o que pedir ou mesmo sobre a decisão de entrar na Justiça.
É justamente o efeito da diminuição de litigância sobre a situação das firmas e, consequentemente, sobre a decisão e capacidade delas de contratarem novos funcionários que foi abordado pelo trabalho de Corbi, Ferreira, Narita e Souza.
Os pesquisadores cruzaram dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) com os processos do Tribunal Regional do Trabalho da Grande São Paulo (TRT-2) entre 2008 e 2013. Com base nessas informações e usando um modelo de “search and matching” que rendeu o Prêmio Nobel em 2010 aos economistas Peter Diamond, Dale Mortensen e Christopher Pissarid
Um primeiro resultado que sai dessa análise, já conhecido de outros estudos da área, é que a Justiça trabalhista tem perfil pró-trabalhador: o juiz médio dá ganho de causa para estes em cerca de 70% dos casos, dizem os autores. E, no ano seguinte, firmas que levam esse choque trabalhista – no fundo, um choque financeiro – diminuem de tamanho ou cre
“É toda uma cadeia de acontecimentos que, no fundo, destrói firmas que poderiam estar produzindo”, resume Corbi.
Isto ocorre porque, para a empresa, uma dívida trabalhista pode significar um custo grande – às vezes, fatal.
Outro resultado encontrado foi que os débitos trabalhistas estão entre os principais motivos de falência e recuperação de menor porte. “Esse efeito atinge de forma mais intensa pequenas e médias empresas. As maiores têm capacidade de contratar advogados e administrar melhor seu contencioso”, salienta Corbi.
“Quando a gente sai do mundo em que a pessoa perdeu o processo, mas acessa a Justiça gratuita – o mundo pré-reforma -, e passamos ao mundo em que ele precisa pagar os custos trabalhistas à empresa, estamos falando de uma queda da taxa de desemprego, em equilíbrio, de 1,7 ponto porcentual”, afirma Souza, pesquisador do Insper.
O estudo mostra ainda que, caso uma empresa seja sorteada com um juiz com histórico mais pró-trabalhador que a mediana, ela tende a aumentar menos o salário dos novos contratados em 0,7 ponto porcentual, na média, de um ano para o outro, quando comparada com firmas que caem com juiz mediano. Elas também têm 0,8 ponto porcentual de chance a mais de encerrar suas atividades no ano seguinte. Extrapolando esses números para o Brasil, essa diferença teria gerado o encerramento de cerca de 8 mil empresas de pequeno e médio porte.
Os autores ressaltam que o estudo se limitou apenas a um aspecto da reforma trabalhista, que foi muito mais ampla, e criticam o entendimento de que qualquer mudança na legislação atenta contra o trabalhador.
“O que a gente precisa fazer é deixar esse mercado fluir melhor. Se pegarmos estudos sobre o Brasil nos últimos 20 anos, o que vemos é que o maior responsável pela queda da desigualdade que vimos, principalmente no governo Lula, não foi só o Bolsa Família, mas o fato de a base da sociedade ter entrado no mercado de trabalho. Isso diminui desigualdade.”
Os resultados obtidos no estudo, no entanto, devem mudar. Em outubro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) reverteu parte da reforma ao julgar inconstitucional que trabalhadores com direito à justiça gratuita paguem os honorários de sucumbência.
Desde então, a Justiça do Trabalho tem dispensado trabalhadores beneficiários da justiça gratuita do pagamento de sucumbência. “E, como a maioria dos pedidos é feito por quem que tem esse direito, esse efeito conscientizador se perde”, diz Alessandra.”
No Congresso, também corre um projeto que pretende restringir esse pagamento também para os não beneficiários da gratuidade, atingindo causas que alcançam até cinco salários mínimos. De autoria do deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP), ele tramita em caráter conclusivo, o que significa que não precisa ser aprovado pelo plenário. Basta passar pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Para Miguel Torres, presidente da Força Sindical, a revisão feita pelo STF foi positiva, pois se tratava de um “abuso” e uma tentativa de intimidar os trabalhadores a buscarem seus direitos. Embora tenha lutado contra a reforma em 2017, a entidade se coloca do lado que defende uma revisão das medidas.
“Achamos que o modelo visto na Espanha [de revisão da reforma] foi bastante produtivo, envolvendo a sociedade, as empresas e os governos. Se olharmos para os temas, veremos que são parecidos com o que temos aqui”, diz o líder sindical, citando, entre as questões passíveis de mudança, a terceirização, e a regulamentação dos trabalhadores de aplicativos.