Trabalhador com nível universitário recebe 167% acima dos que têm ensino médio
Cássia Almeida – O GLOBO
SÃO PAULO – Mais estudo, mais renda. Essa lógica permanece arraigada no imaginário brasileiro como algo inquestionável. Porém, a desigualdade traduzida na diferença salarial entre os níveis de instrução vem caindo há duas décadas.
O abismo maior está entre os que concluíram o ensino superior na comparação com os que só estudaram até o ensino médio. Ter diploma universitário garante uma renda 167% maior ante o último ciclo do ensino obrigatório (ensino médio).
Essa distância, no entanto, já foi maior. Em 2002, o “prêmio” de renda para quem tinha diploma universitário na mão chegava a 192%, o ponto mais alto nas últimas décadas. Em 1995, o abismo era de 134%. Só 12,5% da população ocupada brasileira tem curso superior concluído e a taxa de desemprego é de 3,8% ante os 6,7% da média da força de trabalho.
“Aumentou a oferta de mão de obra com ensino médio, mas não tanto no ensino superior. A demanda por esses profissionais cresceu muito”, afirmou Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, que fez os cruzamentos usando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo IBGE.
Carta de alforria. David Marcos de Almeida Neves, de 27 anos, sabe bem o valor do diploma. Para ele, “a faculdade foi uma espécie de carta de alforria”. Trabalhando como borracheiro, conseguiu concluir a faculdade de Farmácia. “Foi muito difícil conciliar trabalho, estudo, estágio. Nunca pensei em desistir dos estudos, embora quase tenha largado a faculdade por questões financeiras. Mas valeu a pena, sempre soube que a faculdade seria uma carta de alforria para mim.”
Morador de Piedade, zona norte do Rio, ele passou de um salário de R$ 300 como borracheiro, em 2005, para R$ 2,2 mil como recém-contratado no emprego de farmacêutico. Sua vida mudou. Na época, ele economizava o que podia para pagar a faculdade de R$ 800 mensais.
Além de seu trabalho, ele contava com um financiamento do Fies, programa governamental que garantiu 50% de sua mensalidade, e da ajuda de pais e tios. Mas não foram dias fáceis.
“A questão não é só financeira, a faculdade me permitiu conhecer mais pessoas, mais culturas e me abriu um leque de oportunidades. Já fui convidado a dar aula, trabalhar em hospital, sempre existe a possibilidade de ir para a indústria farmacêutica”, afirmou Neves, responsável por uma drogaria no Leblon, zona sul do Rio. Ele quer fazer pós-graduação e aprender inglês, mas já comprou até uma casa.
Diante do aumento da oferta de trabalhadores com o ensino médio, a diferença salarial entre quem concluiu o antigo segundo grau e os que têm só o ensino fundamental caiu com força. Em 1995, a distância salarial era de 44%; em 2011, estava em 23%. “Houve grande expansão de matrículas, mas a economia não estava demandando no mesmo ritmo. A procura é por mais qualificados, com ensino superior e pós-graduação. Por isso, caiu esse retorno da educação”, disse Menezes Filho, do Insper.
Segundo ele, até mesmo no ensino superior a mão de obra partiu mais para a área de humanas, como Pedagogia e Administração. Agora, com a economia mais aquecida, cursos como Engenharia e Medicina começam a aumentar.
Rafael Osório, diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vê o encurtamento dessa distância salarial como um passo na direção dos países desenvolvidos.
“E esse padrão veio para ficar. Isso é bom. Diminui a desigualdade. Não há esse diferencial de renda entre os que cursaram ensino superior e médio na Dinamarca, Finlândia, Suécia. Temos de nos acostumar com uma estrutura de incentivos enxuta. O ensino médio não confere mais o grau de proteção de antes.”
Pós-graduação. Para Osório, o trabalhador brasileiro não pode parar no ensino superior, tem de perseguir especialização. Conseguir concluir um mestrado e o doutorado faz disparar o salário. Segundo dados da Pnad, são 92,5 milhões de ocupados e, desse total, apenas 771.409 têm mestrado ou doutorado. Ou seja, um porcentual inferior a 0,9% do total de ocupados no País. Assim, o salário dobra em relação aos que têm diploma universitário e fica 426% maior em relação a quem só concluiu o ensino médio.
Quer dizer, a diferença vem caindo, mas o prêmio por mais educação que o mercado paga ainda é altíssimo nos maiores níveis de instrução. E, claro, o emprego é pleno. A taxa de desemprego desse grupo é de apenas 1,4%. Ou seja, estudar ainda vale muito a pena. / COLABOROU HENRIQUE GOMES BATISTA