Por João Saboia
A redução acentuada da taxa de desemprego do país ao longo dos últimos anos tem levado muita gente a afirmar que o Brasil estaria vivendo uma situação de pleno emprego ou, pelo menos, de quase pleno emprego. Se, por um lado, esse fato seria positivo do ponto de vista dos trabalhadores, que se beneficiariam de uma maior demanda com melhores salários e condições de trabalho mais favoráveis, por outro, seria um risco para a inflação e para o próprio crescimento econômico, na medida em que haveria cada vez mais dificuldades de contratação de pessoal, especialmente quando se trata daqueles com maior nível de qualificação.
Na realidade estamos longe de tal situação e ainda há muito espaço para a inserção de mais pessoas no mercado de trabalho, além de melhor utilização da atual força de trabalho. Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE deixam isso claro. A PME conta apenas uma parte do que está ocorrendo no mercado de trabalho brasileiro, na medida em que cobre somente seis regiões metropolitanas. De qualquer forma, os principais centros urbanos do país estão cobertos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife. Tais regiões representam cerca da quarta parte da população economicamente ativa (PEA) do país. No último mês de dezembro, a taxa de desemprego não passava de 4,6%, indiscutivelmente um valor bastante baixo, tanto na comparação com os dados da PME nos últimos anos quanto na comparação com o que acontece atualmente no resto do mundo. Mas uma análise mais atenta dos dados traz novas informações.
Segundo a PME, havia 23,4 milhões de pessoas ocupadas naquele mês. Destas, pouco mais da metade estava empregada com carteira assinada, situação típica dos melhores empregos no setor formal da economia. As demais eram trabalhadores por conta própria (4,1 milhões), empregados sem carteira assinada (3,7 milhões), funcionários públicos ou militares (1,8 milhão) e empregadores (1 milhão). Entre o pessoal ocupado havia 3 milhões de sub-remunerados, recebendo menos que o salário mínimo horário, e 480 mil trabalhando poucas horas, embora disponíveis para jornadas maiores.
Verifica-se, portanto, que parcela importante dos “ocupados” poderia ser muito melhor aproveitada, trabalhando mais horas, sendo remunerada com salários mais elevados e participando do setor formal da economia. Uma das consequências de tais mudanças seria um inevitável aumento da produtividade do trabalho e, consequentemente, maior potencial de crescimento econômico para o país.
Com relação aos trabalhadores desempregados, totalizavam 1,1 milhão em dezembro, sendo constituídos, principalmente, por pessoas jovens, do sexo feminino e de nível de escolar relativamente elevado – 55% são mulheres; 41% têm no máximo 24 anos; e 59% possuem no mínimo o segundo grau completo. Curiosamente, o elevado número de pessoas desempregadas com nível de escolaridade alto para o padrão do país reflete o próprio aumento dos anos de estudo da população brasileira verificado nos últimos anos.
Um dos dados mais interessantes divulgados mensalmente pela PME, porém muito pouco utilizado pelos analistas, é o referente à população não economicamente ativa (PNEA), correspondendo àqueles que não trabalham nem buscam emprego, não sendo, portanto, considerados nem ocupados nem desempregados. A maior parte dos 18 milhões de pessoas da PNEA é constituída por crianças e idosos, mas uma parte substantiva poderia estar participando do mercado de trabalho se a economia estivesse crescendo a taxas mais elevadas. Havia nela, por exemplo, 2,1 milhões de pessoas que gostariam de trabalhar, das quais 1,7 milhão estavam disponíveis para trabalhar.
Dessas últimas, cerca 750 mil haviam participado do mercado de trabalho nos meses anteriores. O total de pessoas da PNEA que estava disponível para trabalhar representava um número bem superior ao 1,1 milhão de desempregados encontrados pela PME em dezembro.
Caso elas estivessem efetivamente procurando emprego naquele mês, a taxa de desemprego mais que dobraria.
Tendo em vista que a geração de emprego no país tem se concentrado no setor terciário (comércio e serviços), onde usualmente os postos de trabalho exigem menor nível de qualificação e pagam salários menores, a eventual transformação de parte das pessoas atualmente na PNEA em trabalhadores ocupados poderia ocorrer sem maiores dificuldades no futuro, reforçando o argumento de que ainda nos encontramos muito longe do que possa ser considerado como pleno emprego.
Em outras palavras, se a economia se recuperar nos próximos anos, haverá um verdadeiro batalhão de trabalhadores potenciais que poderá ser mobilizado para ser incorporado ao mercado de trabalho. Claro que isso não significa que está tudo sob controle e que não seja necessário aumentar cada vez mais a qualidade da mão de obra brasileira com a melhoria do ensino público e continuidade do aumento da escolaridade da população, além do fortalecimento do ensino técnico de segundo grau. Pelo contrário, tais medidas devem ser uma preocupação constante e são fundamentais para a elevação do nível de qualificação e de produtividade do trabalho.
Resumindo, o país está distante do que poderia ser considerada uma situação próxima ao pleno emprego, tanto pelo fato de que muitas pessoas atualmente ocupadas estão sendo subutilizadas e se encontram em situação bastante precária e de baixa produtividade, quanto pelo grande volume de pessoas que estão disponíveis para serem absorvidas pelo mercado de trabalho a qualquer momento, desde que a conjuntura econômica seja mais favorável.
João Saboia é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ. E-mail: saboia@ie.ufrj.br